segunda-feira, 29 de julho de 2019

Civilizações Clássicas II. Dinarte Belato. «Van Gogh, um homem das planícies do norte da Europa, de céus cinzentos, captou como ninguém este céu azul quando esteve internado no sul da França, em Arles»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Os romanos, quando o dominaram por completo, chamaram-no de Mare Nostrum: Nosso Mar, ou Mediterrâneo, isto é, o mar que está cercado de terras, que está no meio da terra. Ao recorte do mar em mares corresponde um desenho de terras que se projectam águas adentro. São as sucessivas penínsulas que de oeste para leste adentram no mar: a península ibérica, italiana, balcânica e anatólica. A península italiana divide o Mediterrâneo em dois, o poente e o levante, o leste e o oeste, Ocidente e Oriente. Como destaca Braudel (1988): aí a Itália encontra o sentido de seu destino: ela é o eixo mediano do mar e, [...], sempre se desdobrou entre uma Itália voltada para o poente e uma Itália que encara o levante; não foi nisso que por muito tempo encontrou suas riquezas? Ela tem a possibilidade natural, o sonho natural de dominar todo o mar.
Às vezes dizemos que tal ou qual região do Brasil tem um clima mediterrâneo. Que queremos dizer com isso? Simplesmente que estamos comparando tal ou qual clima com o do Mar Mediterrâneo. Que clima é esse? É um clima homogéneo, singular, que dá um carácter único a toda a bacia do mar e que proporciona às paisagens e aos géneros de vida que aí se desenvolvem há milénios um toque unificador, uma identidade. O clima é governado por duas forças que em sucessão se impõem: o deserto do Saara ao sul e o Oceano Atlântico ao oeste. Todo o Verão, o ar seco e ardente do Saara envolve toda a extensão do mar, ultrapassando, porém, seus limites em direcção ao norte. O Mediterrâneo torna-se, então, quente, aprazível e à noite exibe céus límpidos e estrelados (Braudel, 1988). Van Gogh, um homem das planícies do norte da Europa, de céus cinzentos, captou como ninguém este céu azul quando esteve internado no sul da França, em Arles. Ele pintou também o vento implacável que, várias vezes por ano, no Verão, sopra tórrido do Saara, carregado de areia, que entorta as árvores e que obriga todos, homens e animais, a se recolherem para dentro de casa. É o siroco, mistral, khamsin ou plumbeus auster, como dizia o poeta romano Horacio. De Abril a Setembro os ventos dominantes do nordeste, os ventos que os gregos chamavam de etésios, eram também quentes e não contrabalançavam o calor vindo do Saara.
A partir de Outubro impõem-se os ventos carregados de humidade do Atlântico. Ventanias e chuvas torrenciais tornam o continente e o mar perigosos e humedecem o solo à espera das sementeiras de Primavera e de Verão. O ciclo se repete a cada ano, de forma regular, há milénios, e requer das sociedades que aí plantam, disciplinas colectivas e muito trabalho. Não por acaso, gregos e romanos foram buscar na massa de escravos que capturaram em guerras e piratarias o trabalho de que tanto necessitavam. Eles foram os criadores das sociedades escravistas. Iguais a elas, só a escravidão em grande escala de povos africanos e obrigados ao trabalho compulsório nas fazendas e plantações da América nos três séculos que vão do 16 ao 18.
Se examinarmos com atenção as civilizações fenícia, grega e romana, todas têm como um de seus móveis a busca de alimentos ou a expulsão das suas populações excedentes, fundando sucessivas colónias ao redor da bacia do Mediterrâneo. Mesmo assim, a comida nunca foi abundante, o que acabou convertendo a sobriedade, a temperança, em virtude cardeal e explica o escândalo que produziam no povo romano e nos cristãos primitivos os banquetes fartos dos ricos romanos que a iconografia fixou gordos e obesos. Não por acaso gordo, grosso, grasso, gras, é sinónimo de rico, de abastado. De um modo geral, observa Braudel (1988), [...] o Mediterrâneo equilibra a sua vida a partir da tríade: oliveira, vinho e trigo. Muito pouca proteína animal, que vinha da pesca e da criação de suínos e de caprinos e ovinos, mas muito poucos bovinos. O Império Romano, na sua extensão máxima e no seu apogeu se converteu numa máquina de rapina de alimentos que eram drenados para Roma: trigo, vinho, azeite, animais, queijo, peixes». In Dinarte Belato, Civilizações Clássicas II, Editora Unijui, 2009, ISBN 978-857-429-772-9.

Cortesia de EUnijui/JDACT