Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Os romanos, quando o
dominaram por completo, chamaram-no de Mare Nostrum: Nosso Mar, ou Mediterrâneo, isto é, o mar que
está cercado de terras, que está no meio da terra. Ao recorte do mar em mares
corresponde um desenho de terras que se projectam águas adentro. São as
sucessivas penínsulas que de oeste para leste adentram no mar: a península ibérica,
italiana, balcânica e anatólica. A península italiana divide o Mediterrâneo em
dois, o poente e o levante, o leste e o oeste, Ocidente e Oriente. Como destaca
Braudel (1988): aí a Itália encontra o sentido de seu destino: ela é o eixo
mediano do mar e, [...], sempre se desdobrou entre uma Itália voltada para o
poente e uma Itália que encara o levante; não foi nisso que por muito tempo
encontrou suas riquezas? Ela tem a possibilidade natural, o sonho natural de
dominar todo o mar.
Às vezes dizemos que tal ou qual
região do Brasil tem um clima mediterrâneo. Que queremos dizer com isso?
Simplesmente que estamos comparando tal ou qual clima com o do Mar
Mediterrâneo. Que clima é esse? É um clima homogéneo, singular, que dá um carácter
único a toda a bacia do mar e que proporciona às paisagens e aos géneros de
vida que aí se desenvolvem há milénios um toque unificador, uma identidade. O
clima é governado por duas forças que em sucessão se impõem: o deserto do Saara
ao sul e o Oceano Atlântico ao oeste. Todo o Verão, o ar seco e ardente do
Saara envolve toda a extensão do mar, ultrapassando, porém, seus limites em
direcção ao norte. O Mediterrâneo torna-se, então, quente, aprazível e à noite
exibe céus límpidos e estrelados (Braudel, 1988). Van Gogh, um homem das
planícies do norte da Europa, de céus cinzentos, captou como ninguém este céu
azul quando esteve internado no sul da França, em Arles. Ele pintou também o
vento implacável que, várias vezes por ano, no Verão, sopra tórrido do Saara, carregado
de areia, que entorta as árvores e que obriga todos, homens e animais, a se recolherem
para dentro de casa. É o siroco,
mistral, khamsin ou plumbeus auster, como dizia
o poeta romano Horacio. De Abril a Setembro os ventos dominantes do nordeste,
os ventos que os gregos chamavam de etésios, eram também quentes e não
contrabalançavam o calor vindo do Saara.
A partir de Outubro impõem-se os
ventos carregados de humidade do Atlântico. Ventanias e chuvas torrenciais
tornam o continente e o mar perigosos e humedecem o solo à espera das
sementeiras de Primavera e de Verão. O ciclo se repete a cada ano, de forma
regular, há milénios, e requer das sociedades que aí plantam, disciplinas colectivas
e muito trabalho. Não por acaso, gregos e romanos foram buscar na massa de
escravos que capturaram em guerras e piratarias o trabalho de que tanto necessitavam.
Eles foram os criadores das sociedades escravistas. Iguais a elas, só a
escravidão em grande escala de povos africanos e obrigados ao trabalho
compulsório nas fazendas e plantações da América nos três séculos que vão do 16
ao 18.
Se examinarmos com atenção as
civilizações fenícia, grega e romana, todas têm como um de seus móveis a busca
de alimentos ou a expulsão das suas populações excedentes, fundando sucessivas
colónias ao redor da bacia do Mediterrâneo. Mesmo assim, a comida nunca foi
abundante, o que acabou convertendo a sobriedade, a temperança, em virtude cardeal
e explica o escândalo que produziam no povo romano e nos cristãos primitivos os
banquetes fartos dos ricos romanos que a iconografia fixou gordos e obesos. Não
por acaso gordo, grosso, grasso, gras, é sinónimo de rico, de abastado. De
um modo geral, observa Braudel (1988), [...] o Mediterrâneo equilibra a sua vida
a partir da tríade: oliveira, vinho e trigo. Muito pouca proteína animal, que
vinha da pesca e da criação de suínos e de caprinos e ovinos, mas muito poucos
bovinos. O Império Romano, na sua extensão máxima e no seu apogeu se converteu
numa máquina de rapina de alimentos que eram drenados para Roma: trigo, vinho,
azeite, animais, queijo, peixes». In Dinarte Belato, Civilizações Clássicas
II, Editora Unijui, 2009, ISBN 978-857-429-772-9.
Cortesia de EUnijui/JDACT