Cortesia
de wikipedia e jdact
«Numa
meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos,
curiosos tomos de ciências ancestrais,
E
já quase adormecia, ouvi o que parecia
O
som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
Uma
visita, eu me disse, está batendo a meus umbrais.
É
só isto, e nada mais.
Ah,
que bem disso me lembro! Era no frio Dezembro,
E
o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como
eu qu’ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P’ra
esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais
Essa
cujo nome sabem as hostes celestiais, Mas sem nome aqui jamais!
Como,
a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me
incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas,
a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
É
uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma
visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É
só isto, e nada mais.
E,
mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
Senhor,
eu disse, ou senhora, decerto me desculpais;
Mas
eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão
levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que
mal ouvi... E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite,
noite e nada mais.
A
treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio
e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas
a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E
a única palavra dita foi um nome cheio de ais
Eu
o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso
só e nada mais.
Para
dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não
tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
Por
certo, disse eu, aquela bulha é na minha janela.
Vamos
ver o que está nela, e o que são estes sinais.
Meu
coração se distraía pesquisando estes sinais.
É
o vento, e nada mais.
Abri
então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou
grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não
fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas
com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num
alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi,
pousou, e nada mais.
E
esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com
o solene decoro de seus ares rituais.
Tens
o aspecto tosquiado, disse eu, mas de nobre e ousado,
Ó
velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Diz-me
qual o teu nome lá nas trevas infernais.
Disse
o corvo, Nunca mais».
[…]
In
Edgar Allan Poe, (1809-1849), 1845, Lorimer Graham, O Corvo, tradução de Fernando
Pessoa e Machado de Assis, Relógio d’Água, ISBN 978-989-641-075-9.
Cortesia
de Rd’Água/JDACT