segunda-feira, 15 de julho de 2019

O Mito de Portugal nas suas Raízes Culturais. Manuel C. Pimentel. «Se, com António José Saraiva, concordo em que os mitos históricos contêm paradigmas da posição e vontade de um povo na história do mundo, com ele discordo…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«O Mito é o nada que é tudo». In Fernando Pessoa

Antelóquio
«(…) Haverá um horizonte unitário de vivência e de vida colectivas, de apreensão e de representação do mundo que, na projecção e introjecção dessas glórias e misérias, permita falar de um mito: o mito de Portugal? Consistirá este mito na tradução estável de uma verdade, que possui sentido em si e por si? Não se supõe para a figura de Portugal a ideia de uma unidade, estrutural ou até mesmo de força genésica, a propósito da qual se fala de mito? Se não quisermos dar a esta noção de mito, por minoração de realidades, o significado vago do que é puramente imaginativo, cumpriria, em primeiro lugar, compreender o que poderá estar em jogo de coexistências no que aqui se designa por mito de Portugal, respondendo às duas primeiras questões que formulei, e, em segundo lugar, apreender a arquitectura de espírito que assinala no mito o próprio sentido do ser e do estar de Portugueses, com réplica para a última interrogação.
No que ao primeiro problema diz respeito, o mito de Portugal, compreendido na sua substância de encarnação de ideais colectivos, tem conteúdo histórico e existencial, por nele se exprimirem, por forma contínua e variada, os sentimentos, as paixões e as aspirações de um povo, a par das suas narráveis acção, visão, compreensão e capacidade de transformação do mundo. Como fenómeno cultural, o mito conserva, ou melhor, coincide com os ideais da nacionalidade, do ser português na origem para a sua vocação tardia: nasce com a consciência do povo português, corporiza-lhe o sentimento terrantês, ou matricial, e a emoção colectiva da pertença pátria, insinua a união da gesta com a esperança e a promessa, mas também a contradição da vida gloriosa com os páramos árduos da decadência.
O mito de Portugal, tal como aqui o interpreto, constitui um sistema de representações vitais, uma organização de valores mentais, afectivos, gnosiológicos, éticos e espirituais que se foi formando sob o efeito das injunções da história e ao longo das circunstâncias dos Portugueses na história, que se confunde com a ideia da nacionalidade e sua permanência no tempo. Daí a resposta ao segundo problema. O núcleo vivo do mito de Portugal está na permanente abertura de si à hermenêutica das gerações, e à sua epifania deve regressar continuamente o português, a braços com a sua própria imagem e nas crises de identidade nacional.

História concisa do mito de Portugal
«Os mitos históricos são uma forma de consciência fantasmagórica com que um povo define a sua posição e a sua vontade na história do mundo». In António José Saraiva

Para definir o mito de Portugal basta tão-só a História de Portugal, pelo que ele é extensivo no espaço e intensivo no tempo. Extensivo, por não coincidir com a geografia do cantão peninsular, seja embora este a terra da formação do mito e da sua gestação, antes tendo por fronteiras os limites físicos do próprio mundo. Intensivo, porque ao longo das aportações históricas que foi recebendo do imaginário português, o tempo cronológico, que marca o ciclo das culturas e das civilizações, foi sendo progressivamente substituído pelo tempo do espírito, pelo qual se concebem os possíveis e o futuro.
O mito de Portugal é um mito de origem e destino colectivos. É, sobretudo, o mito de Portugal como império, cujo estrato cultural enraíza na noite dos tempos, se formou nos transes mais complexos da história nacional e evoluiu por alargamento sucessivo da sua primeira matriz, para cujo sincretismo de conteúdos tanto contribuíram a política de Portugal no concerto das nações e a efabulação das ideologias políticas, principais responsáveis pelo privilégio sacral do próprio mito enquanto fautor da consciência nacional e fonte legitimadora do lugar autêntico dos Portugueses no mundo.
Se, com António José Saraiva, concordo em que os mitos históricos contêm paradigmas da posição e vontade de um povo na história do mundo, com ele discordo em que sejam formas de consciência fantasmagórica, um modo hipercrítico de dizer que reduz a simples flatus vocis as significações do mito e destrói a ontologia de sentido da sua construção colectiva. A constelação de valores que há nos mitos históricos, que coincide com a verdade que exprimem ou querem exprimir, adapta-se e combina-se no recontro directo com as circunstâncias da própria história, porque nos mitos fala aquela parte que sempre neles se conserva, a identidade cultural de uma comunidade. Se morrem e incompreensivelmente ressuscitam, é por mor daquela identidade, que não é intemporal, nem sequer transversal ao tempo, mas agente no tempo, memória que conserva o passado e cinge o futuro. A eles regressam as gerações, ainda quando, e sobretudo, a nudez do tempo e a crueldade da história desmintam os seus anseios, os seus sonhos e as suas glórias». In Manuel Cândido Pimentel, O Mito de Portugal nas suas Raízes Culturais, Wikipedia.

Cortesia de Wikipedia/JDACT