quinta-feira, 25 de julho de 2019

Júlio Dinis. Poesias. Júlio Dinis (Joaquim Guilherme Gomes Coelho). «E tu, o mundo, o vês quase indiferente! Curva a cabeça ante essa campa aberta, ajoelha-te, e a fronte descoberta…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A meu irmão
[…]
«Mas não; os homens vêem pasmar o féretro,
Vêem do sepulcro alevantar-se a lousa,
E, olhando a nobre fronte que repousa,
Quem é?, perguntam com cruel frieza.
É um poeta, lhes respondem poucos.
Um poeta!, palavra incompreensível!
Por ele a multidão passa insensível,
E a campa desampara com presteza.

E um poeta morreu!, listas palavras
Nada vos dizem, povos, que as ouvistes?
Não as há mais solenes nem mais tristes.
Oh!, nelas reflecti um só momento!
Não sabeis o que diz a morte do homem
Que se encaminha à campa que lhe ergueram
Seguido apenas dos que ainda veneram
O culto da poesia e pensamento?

Não ouvis esse dobre, que o lamenta?
É como a voz do século, que brada:
Chorai, ó multidões, que na cruzada
Da civilização vos alistastes,
Chorai, um dos soldados que há caído,
Deus lhe dera a bandeira que vos guia,
O estandarte da ideia, a poesia;
Mas vós na heróica empresa o abandonastes!

Lamenta, ó liberdade, o teu apóstolo!
Amor, o coração que te entendia!
Tu, Pátria, o filho que melhor podia
Entre as nações da terra engrandecer-te!
Religião, ai!, chora o sacerdote,
Que, entoando no templo os sacros hinos,
Chamara os povos aos altares divinos
E cultos sem iguais pudera erguer-te!

E tu, o mundo, o vês quase indiferente!
Curva a cabeça ante essa campa aberta,
Ajoelha-te, e a fronte descoberta,
Venera as cinzas que deixou na Terra;
Os restos são da mais violenta chama,
Que o fogo do Céu no mundo ateia;
A chama ardente de inspirada ideia,
Fogo que a mente do poeta encerra!
[…]
In Júlio Dinis (Joaquim Guilherme Gomes Coelho), Poesias, 1859, Publicações Europa-América, 2010, ISBN 978-972-104-585-9.

Cortesia de PEAmérica/JDACT