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Vaticano.
19 de Abril de 2005
«(…) Pousou o telemóvel em cima
da mesa e consultou o relógio. Eram onze horas em Telavive. O pequeno Ben já
estava a trabalhar. Talvez em alguma reunião devido ao importante negócio em
que o sigilo era a alma do sucesso. Um aperto no coração dizia-lhe que não.
Levantou-se. Precisava de arejar as ideias, tinha de pensar. Calma, Ben Isaac.
Ele não tem nada a ver com isto. Eles não iam encostar um dedo no rapaz. Mas não
conseguia deixar de relembrar a mensagem no papel creme. Não o horário nem o
local, mas o resto. Statu quo. Fazia-o arrepiar. O passado, sempre o passado a
perseguir os passos dos justos. Os equívocos, as avidezes, a sobranceria da
juventude não lhe davam descanso nem o olvidavam. Tal como Myriam, o Ben Júnior
e Magda, o passado acompanhava-o sempre e, desta vez, vinha cobrar, à
meia-noite, na piscina.
O professor fitou os alunos sério
com os braços cruzados sobre o peito. As mulheres consideravam-no fascinante,
os homens sentiam respeito. Aparentava 40 anos, uma forma física invejável,
vigoroso na opinião feminina. Nunca sorria nem alterava o tom de voz. Sempre
seguro. Fazia-os pensar, desafiava-os, pois essa era a sua função enquanto
titular da cadeira de Filosofia da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma.
Dissipava as dúvidas com novas perguntas, outro ponto de vista. Não vendia fácil
a solução. A reflexão, o raciocínio eram a melhor arma de sobrevivência no
mundo actual. Não os livraria da morte mas levá-los-ia longe. A Igreja dá
sempre a solução nas Sagradas Escrituras. Está lá tudo. Ninguém precisa de
andar perdido. Sim, porque a Bíblia é também um livro filosófico, explicou. Que desperdício, pensava a ala
feminina. Material tão bom entregue nas mãos da Igreja, discípulo de Nosso
Senhor Jesus Cristo, homem de Deus. As más-línguas, entenda-se tal expressão
como fontes de origem desconhecida, logo pouco credíveis, diziam que ele era próximo
do Papa Ratzinger. Desconhecia-se a veridicidade de tal afirmação que apenas
podia ser considerada um rumor, por enquanto. E erótico também. E pornográfico,
ouviu-se uma voz masculina dizer vinda da porta que logo revelou um homem mais
velho, com barba, bigode e cabelo alvos. A idade transparecia, assim como um
brilho de jovialidade que o acompanhava. Um sorriso de criança rebelde que
fizera uma patifaria.
Jacopo, és sempre o mesmo, acusou
o professor sem alterar o tom de voz. Estou a dizer alguma mentira, Rafael? Olhou
para a turma de um modo provocador. A Bíblia é o primeiro livro histórico, fantástico,
ficção científica, evangelho, thriller,
romance de todos os tempos. Jacopo, precisas de alguma coisa?, perguntou Rafael
com firmeza. Estou a meio de uma aula.
E
eu peço imensa desculpa por vir meter juízo nestas cabeças e não o que vocês
lhes metem... O que quer que seja, gozou o outro. Sabem que depois destes séculos
e milénios tudo o que se lê na Bíblia continua a não ter qualquer comprovação
arqueológica? Nem uma. E muitas das personagens, esboçou umas aspas no ar
enquanto dizia a palavra, e localidades que aparecem citadas nesse livro tão
importante para tanta gente não são citadas em mais lado nenhum? Apenas a Bíblia
os menciona, mas como é a Bíblia... Parou de falar e assumiu um tom sério. Preciso
de te dar uma palavra. Não pode esperar? É óbvio que não. E saiu para o
exterior da sala. Rafael pediu desculpa à turma e prometeu que seria apenas um
minuto. Que se passa?, questionou Rafael depois de sair e fechar a porta. O que
é que não pode esperar? Yaman Zafer, disparou Jacopo. Rafael arregalou os
olhos. Agora tinha toda a sua atenção. Yaman Zafer? Sim, confirmou o mais velho».
In
Luís Miguel Rocha, A Mentira Sagrada, Porto Editora, 2011, ISBN
978-972-004-325-2.
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