Cortesia
de wikipedia e jdact
Com
a devida vénia de Gilson Brandão Oliveira Junior
Exílios.
Encontros e desencontros entre intelectuais no Atlântico Sul
«Recebe esta mensagem
como saudação fraternal ó negro-qualquer das ruas e das senzalas do mato sangue
do mesmo sangue valor humano na amálgama da Vida meu irmão a quem saúdo!» In
Agostinho Neto
«Eu não quero ter
poder mas apenas liberdade de falar aos do poder do que entenda ser verdade».
In Agostinho da Silva
«A
pesquisa analisou o intercâmbio ocorrido entre intelectuais e instituições
angolanas, portuguesas e brasileiras no período compreendido entre 1944 e 1961,
avaliando as suas condições, trocas e influências recíprocas, por meio do
estudo das trajectórias dos intelectuais elencados protagonistas: Agostinho
Neto, importante poeta da geração da Mensagem, migrou de Angola para Portugal
em 1947 para estudar medicina em Coimbra e acabou por envolver-se nas actividades
políticas da Casa dos Estudantes do Império em Lisboa, mediante as quais ocupou
papel decisivo na luta anticolonial, tornando-se o primeiro presidente de
Angola em 1975; Agostinho da Silva, intelectual português que se autoexilou no
Brasil em 1944 devido às perseguições políticas do salazarismo, actuou em
distintas instituições culturais e académicas neste país, sendo o responsável
pela reinauguração das suas relações institucionais com os países africanos
diante da criação e direcção do Centro de Estudos Afro-Orientais no final dos
anos 1950. Assim, a pesquisa enfocou o processo de construção das suas principais
concepções políticas e culturais, demonstrando que a concomitância da sua
vivência e a similaridade das suas trajectórias, mesmo que alicerçadas em
contextos e experiências diversas, geraram interpretações opostas ao discurso
hegemónico colonial, ainda que partissem de temáticas semelhantes. Tal
investigação interpretou as afinidades, particularidades e distinções
existentes entre eles, e deles com relação a outros intelectuais pertencentes
às suas respectivas gerações, demonstrando como os contextos em que cada um actuou,
embora substancialmente díspares, também dialogaram entre si. O trabalho
fornece subsídios para as reflexões sobre o processo de recuperação dessas
ideias no presente».
«Apresentaremos o caminho interpretativo desta pesquisa que
versa sobre a pluralidade e a circulação das ideias de intelectuais subalternos
actuantes entre as margens meridionais do Atlântico, desde o imediato após-segunda-guerra,
até ao início do conflito armado promovido pelos países colonizados contra
Portugal. Diferentemente do que poderia sugerir a usual ênfase dos estudos
sobre a escravidão, a aproximação entre essas margens perdurou muito além do
fim do período escravagista, reconfigurando-se ao longo do século XX com
influências e consequências recíprocas e profundas. Entretanto, as
representações desse passado compartilhado eram temas constantemente debatidos
por esses intelectuais, sobretudo diante da persistência do salazarismo e do
colonialismo, pois buscavam repensar as combalidas ideias de nação vigentes até
então. Constantemente obliteradas pela historiografia tradicional, as mensagens promulgadas pelos
intelectuais subalternos são demasiadamente importantes por trazerem leituras alternativas
às narrativas hegemónicas, principalmente quando se trata de momentos como
este, eivado de agudas incertezas. Por isso, os aspectos teórico-metodológicos
da pesquisa estão ajustados a este objectivo e serão descritos adiante. A
análise dos exílios e
dos diversos fluxos e deslocamentos a que foram submetidos, sejam os
intelectuais e/ou as suas ideias, serão interpretados como catalisadores da
aproximação entre as margens, instigadores de profícuos encontros e desencontros.
Os diálogos entre Brasil e Angola são longevos. As conexões
entre as margens do Atlântico Sul construíram-se paulatinamente, mediante um
colonialismo secular e cumulativo no qual a escravização de africanos deu a tónica
das relações, desde o século XV até o XIX. Sintoma deste forte vínculo foram os
protestos que circularam em Luanda quando da emancipação do Brasil, ressoando
na aspiração em aderir à sua causa, ensejo que resultou na exigência, por parte
da coroa portuguesa, da assinatura de uma declaração na qual os representantes
do novo Estado se comprometeriam a não anexar qualquer colónia sua em troca do
reconhecimento da independência. De qualquer forma, tal proibição não ameaçou
romper as consistentes afinidades nutridas entre as margens meridionais do
Atlântico: mesmo com a severa política de controle imposta por Portugal nos
seus domínios africanos após a perda do Brasil e do latente senso de decadência
dela decorrente (MATOS, 1998), tais contatos foram mantidos diante da extinção
oficial do comércio de escravizados (1850) por meio do trato clandestino – o
mesmo se pode dizer dos demais tipos de relações, já que elas nunca se
resumiram aos empreendimentos esclavagistas.
Não
obstante, a segunda metade do século XIX assistiu a alterações substanciais. O
sistema classificatório ocidental, emergente desde a época moderna, recebia a
sua mais acabada versão com as teorias racialitas oitocentistas (em verdade, seu fundamento
manifestava-se desde períodos muito anteriores, pois, apesar da tentativa de
justificar (cientificamente) as clivagens entre grupos humanos utilizando as
noções homogeneizantes atinentes ao conceito raça ser oriunda dos séculos XVIII
e XIX, Carlos Moore (2007) argumenta que ela apenas legitimou distinções
precedentes, pautadas
por critérios fenotípicos; argumento similar
já havia sido defendido e constatado por Lévi-Strauss
(1970); já
Wallerstein (2007) argumenta que a clivagem entre o mundo ocidental e os demais
foi inaugurada no século XVI diante do debate entre Juan Sepúlveda e Bartolomé
de Las Casas sobre o direito de intervir (ou não) na vida dos indígenas
americanos recém-conquistados, mas que se manteve incólume pelos séculos
subsequentes. Nesse sentido, a emergência da moderna filosofia política
ocidental estaria atrelada às práticas coloniais, pois o objectivo de legitimar as suas acções intervencionistas coaduna a
manutenção do seu poderio pela detração figurativa do Outro, através de
representações (morais) antagónicas: cristãos versus pagãos no século XVI, civilizados versus bárbaros no XIX)». In Gilson
Brandão O. Junior, Agostinho Neto e Agostinho da Silva, Exílios. Encontros e
desencontros entre intelectuais no Atlântico Sul, Tese de Doutoramento em
História, Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Humanas, 2017.
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