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«O
Mito é o nada que é tudo». In Fernando Pessoa
Antelóquio
«Um
estudo do mito de Portugal nas suas raízes culturais não pode prescindir de uma
exposição, ainda que sumária, sobre a noção de mito, embora a tentativa de dar
deste uma definição seja tão problemática quanto a pluralidade de
esclarecimentos que tem recebido, e segundo as indicações das épocas e dos
autores. A vasta rede de significações que sobre a sua realidade construiu a
exegese ao longo da história constitui um obstáculo para a circunscrição
metódica do seu âmbito e objecto, que dependerá sempre e tem dependido dos
saberes que ao mito atendem e o procuram explicar, desde a etnologia e a
antropologia cultural à sociologia, desde a filologia, a mitologia e as
ciências da religião à literatura, à estética (literária ou não) e à filosofia.
O primeiro reconhecimento está em ver que o mito, que não enuncia, consiste numa
interpretação do mundo sem que a socorra a consciência intencional da diferença
entre o lógico, a ficção e a realidade objectiva, implicando uma atitude
inicial de experiência que o homem tem de si, do outro e da natureza que o
rodeia, mas sem a disposição de conhecimento que pela discriminação situa em
face do mundo a imagem objectiva deste, o que permitiria o discernimento do que
na relação com o real não é o fabuloso, o fantástico e o lendário. Apreendendo
esta subtileza da identidade do mito, segundo a qual o mito é o próprio real,
Fernando Pessoa, no verso em epígrafe, colocou no inominado e no imponderado a
essência do mito, confinando a sua matéria ao indeterminado das valorações
simbólicas e arcaico-visionárias.
Algo mais contém o juízo poético
pessoano, que não serve apenas ao reconhecimento da complexidade e da
obscuridade da definição do mito. Ele entroniza a sua significação no
auto-referencial absoluto que é o próprio mito enquanto logos, significação de
significações ou auto-significação: há na verdade que o mito contém um excesso
do interpretado sobre a interpretação, da figura sobre o figurado, do modo
sobre as modalidades, excesso que supera toda a tentativa racionalizante das
exegeses, por ser no mito iminente a aparição do mistério do ser à existência.
Aquilo para que o mito nos aponta
é a integridade de algo que se perdeu, o nada que é tudo para o momento da restituição do homem a
uma ordem perdida ou a sua reintegração cósmica para além do caos, para o
interior do que é o seu lugar efectivo no universo. O único mito é só o da
origem e o da reintegração, coincidindo a auto-suficiência do mito, que remete
para si, com a imagem arcaica ou original que designa o movimento regressivo
para o momento estático da origem: do tempo e da história para o que o não é.
Neste contexto, cumpre perceber
que o mito não é representação de nada, embora aflore nas representações, nem é
tão-pouco do domínio do discurso ou da narrativa, que institui o plano
propriamente dito da cor, da forma e da figura com que a consciência recita os
deuses e ama os heróis. Neste último, estamos no plano da fenomenologia do
mito; naquele, no plano que assimila o mito à própria origem, o primeiro
significante ou imagem primordial que liga ocultamente o visível ao invisível e
de que a narrativa mítica é a linguagem. O que se chama mito de Portugal devia com
melhor propriedade chamar-se mitologia
ou fenomenologia do mito, já que este estudo declina para o nível das
formas e manifestações da consciência mítica portuguesa, se ela efectivamente existe,
que cumpre procurar por entre as figurações discursivas da nossa cultura.
Tarefa árdua, com grau de complexidade dado o engendramento do imaginário
português nas suas manifestações áticas e extremas, condicionadas pela vivência
das glórias e misérias da história pátria». In Manuel Cândido Pimentel, O
Mito de Portugal nas suas Raízes Culturais, Wikipedia.
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