sábado, 27 de julho de 2019

A cidade de Viseu nos Séculos XVII e XVIII. Arquitetura e Urbanismo. Liliana Castilho. «Em 1814 a Câmara decidiu em reunião avaliar sobre a pertinência de demolir vários arcos da muralha que ameaçavam ruína, chamando para esse fim dois pedreiros…»


Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Em 1744 surge-nos uma disposição camarária autorizando Henrique de Lemos Távora a abrir uma porta no muro da cidade, no quintal de suas casas, obrigando-se a tapá-la em caso de quebras ou prejuízo público (loguo na mesma Camera apareseu Henrique de Lemos Tavora desta cidade e por elle foi dito que este Senado lhe avia consedido lisensa para abrir huma porta no muro da cidade no quintal das suas casas aonde (?) com a obriguasoi de a tapar avendo quebras que se perjuize o tapar se por cuja cauza pello prezente termo assim se obriguava de que fis este termos). A muralha foi-se degradando, não tendo qualquer papel defensivo a desempenhar e não se lhe reconhecendo ainda o seu papel de documento histórico. Em 1814 a Câmara decidiu em reunião avaliar sobre a pertinência de demolir vários arcos da muralha que ameaçavam ruína, chamando para esse fim dois pedreiros, que depois de os analisarem defenderam a manutenção dos dois que ainda existem e o desmantelamento dos restantes (nesta tendo em vista que os três Arcos construídos a saber o de S. José, Santa Cristina e S. Miguel além de ameaçarem uma grande ruína a sua demolição é da maior utilidade para a perspectiva das ruas sua largueza e melhor comodidade, para efeito de se demolirem mandamos que o Escrivão da Câmara que então servia, em três dias peremptórios prontifique a provisão que consta viera sobre este objecto, de baixo de pena de procedimento, e como pode acontecer que no entanto que ela se não prontifique aconteça alguma ruína que nós devemos evitar e prevenir, mandamos outro sim que o Alcaide notifique dois dos três pedreiros para que examinando os três Arcos declarem por termo em como nenhuma utilidade causa a sua conservação, e se podem demolir sem causar prejuízo algum particular prejudicando lhe as paredes das casas ou outro algum deterioramento e finalmente se a sua demolição é mais cómoda para a continua passage de carros, gente, seges etc., cuja declaração será feita na presença do mesmo Escrivão e apresentada a esta Câmara com Provisão que diz haver, no dia 3ª feira 13 do corrente em Vereação a que se há de proceder e que eu Escrivão passasse as Ordens necessárias e avisasse o meu antecessor. Declaram mais que a declaração dos Mestres será feita na Vereação do dito dia para o que o Alcaide os avise […] Acta do dia 13; na mesma apareceu António Francisco encarregado de examinar os três Arcos de S. José, Santa Cristina e S. Miguel e declarou que os de S. José e Santa Cristina se acham ameaçando ruína e que todos três se podem demolir sem que resulte o mais leve prejuízo aos proprietários confrontantes antes utilidade ficando as ruas mais espeditas e desembaraçadas o que não sucede no Arco dos Albuquerques e no Arco dos Remédios que além da sua segurança antes aformoseiam a cidade e assinou a dita declaração com Teotónio Francisco desta cidade também pedreiro. E logo foi acordado que como há duvida sobre a provisão que se diz viera sobre este respeito e seja indispensável Licença Régia para a abolição em consequência se passava a fazer a dita representação na Câmara imediata, devendo primeiro ser notificado o outro louvado para assinar ou confirmara a declaração supra). A Porta do Soar e a dos Cavaleiros por terem serventia para as casas anexas, e por os seus habitantes procederem eventualmente à sua manutenção, estariam em melhor estado de conservação que as restantes, ou então não quiseram os mestres pedreiros e a Câmara entrar em litígio com os seus nobres moradores.
As três portas condenadas à demolição devem de facto ter sido destruídas em sequência dessa iniciativa, porque em 1857 Berardo afirma que já só restavam três portas das seis que, segundo ele, a cidade tinha possuído. Deduzimos assim que no início do século XIX uma das portas já teria ruído e, pelas referências tratar-se-ia ou da Porta de São Sebastião ou da Porta da Senhora das Angústias. Pela planta de 1864 a Porta da Senhora das Angústias ainda devia existir uma vez que o pano da muralha em que se inseria é o que em melhor estado se conservou e a sua abertura vem representada na dita planta. Por outro lado também é possível que a Porta de São Sebastião que dava para o Largo das Freiras ainda existisse, mas sendo destruída a muralha anexa o autor julgasse tratar-se de uma porta pertencente ao Convento. No local da Porta da Senhora das Angústias, na intersecção da rua Silva Gaio com a Rua da Cal, ainda hoje são visíveis vestígios do Arco e escadas para o passeio de ronda e acompanhando a rua Silva Gaio, alguns troços de muralha conservados sobretudo pela incorporação em habitações particulares. Apesar das expansões urbanísticas do século XVIII terem visto nascer novos bairros e um alargamento da urbe para os arrabaldes, simbolicamente é ainda dentro das muralhas que acontece a cidade». In Liliana Castilho, A cidade de Viseu nos Séculos XVII e XVIII, Arquitectura e Urbanismo, Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2012.

Cortesia de FLUdoPorto/JDACT