quarta-feira, 10 de julho de 2019

A Rainha Liberdade. A Guerra das Coroas. Christian Jacq. «Quatro bois puxavam o sarcófago colocado sobre um trenó de madeira. A intervalos regulares, ritualistas derramavam leite na pista para facilitar o deslizamento»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) O Sumo Sacerdote curvou-se diante da que os soldados tinham denominado a Rainha Liberdade. Kamés mantinha-se erecto, o pequeno Ahmés chorava e apertava com força a mão da mãe. Estais preparada, Majestade, para manter o fogo conquistador de Tebas? Estou. Kamés, olha bem pelo teu irmão. Ahmés agarrou-se à mãe. Quero ficar contigo... E quero o meu pai! Ah-hotep beijou ternamente o rapazinho. O teu pai está no céu, com os outros Faraós e nós devemos obedecer-lhe terminando a sua obra. Para isso, preciso de todos e, sobretudo, dos nossos dois filhos. Compreendes? Engolindo as lágrimas, Ahmés colocou-se diante do irmão mais velho, que o segurou pelos ombros. O Sumo Sacerdote conduziu Ah-hotep até à capela da deusa Mut, cujo nome significava ao mesmo tempo a Mãe e a Morte. Fora ela que dera à adolescente a força de travar um combate impossível. E era ela que ia transformar a modesta cidade tebana em capital da reconquista. Ao diadema de ouro da mãe que Ah-hotep trazia, o Sumo Sacerdote prendeu um uraeus do mesmo metal. Depois, entregou-lhe um arco e flechas. Majestade, comprometeis-vos a combater as trevas? Comprometo. Nesse caso, que as vossas flechas atinjam os Quatro Orientes.
Ah-hotep visou o Oriente, depois o Norte, o Sul e por fim o Ocidente. A nobreza da sua atitude impressionara todos os ritualistas. Visto que o cosmos vos é favorável, Majestade, eis a vida que devereis preservar e a magia que devereis espalhar. O Sumo Sacerdote apresentou ao rosto da Rainha uma cruz egípcia e um ceptro, cuja cabeça era a do animal de Set. Poderosas vibrações atravessaram o corpo de Ah-hotep. Nela, a partir de agora, incarnava a esperança de todo um povo. Depois dos soldados da base secreta terem prestado uma última homenagem ao Faraó defunto, o cortejo fúnebre tomou o caminho da necrópole. Quatro bois puxavam o sarcófago colocado sobre um trenó de madeira. A intervalos regulares, ritualistas derramavam leite na pista para facilitar o deslizamento. Neste período de guerra, o artesanato tradicional estava reduzido à expressão mais simples; assim, o mobiliário funerário de Seken apenas comportava objectos modestos, indignos de uma sepultura real: uma paleta de escriba, um arco, sandálias, um saiote de cerimónia e um diadema. Já não havia em Tebas um único grande escultor. Os do atelier real de Mênfis tinham sido executados há muito tempo pelos hicsos.
Ah-hotep era acompanhada pelos dois filhos, a mãe, o intendente Qaris e o Superintendente dos Celeiros Herai, responsável pela segurança em Tebas e grande caçador de colaboradores com o inimigo. O governador da cidade de Edfu, Emheb, tivera de regressar a Cusae afim da manter o moral das tropas que consolidavam a frente. Diante da entrada do pequeno túmulo, tão irrisório em relação às pirâmides da Idade de Ouro, Qaris e Herai ergueram o sarcófago. Antes de o confiarem à deusa do Ocidente, que absorveria Seken no seu seio onde o faria renascer, era necessário abrir-lhe a boca, os olhos e as orelhas. O sarcófago de Sekenenré está conservado no Museu do Cairo. O sacerdote funerário estendeu à Rainha uma enxó de madeira. Logo que Ah-hotep lhe tocou, quebrou-se. Não temos outra, lamentou o ritualista. Era a última que tinha sido consagrada quando o Faraó reinava sobre o Egipto. O sarcófago do Rei não pode permanecer inerte! Então, Majestade, será necessário utilizar a enxó do Abridor dos Caminhos. Mas está em Assiut objectou Qaris e a cidade não é segura! Vamos lá imediatamente decidiu a Rainha. Majestade, suplico-vos... Não tendes o direito de correr semelhante risco! O primeiro dos meus deveres consiste em tornar tranquila a viagem do Faraó para os paraísos do outro mundo. Não o fazer conduzir-nos-ia ao fracasso.
Trezentos quilómetros a norte de Tebas, em território inimigo, a cidade de Assiut, a antiga cidade do chacal divino, o Abridor dos caminhos, estava agonizante. O Afegão e o Bigodes, dois calejados resistentes promovidos a oficiais no exército de libertação, possuíam numerosos contactos na região. Tinham portanto confiado uma mensagem a Larápio, o chefe dos pombos-correio, capaz de percorrer mais de mil quilómetros num só voo à velocidade de oitenta quilómetros por hora. A missão era arriscada. Se Larápio não regressasse, Ah-hotep perderia um dos seus melhores soldados. Aliás, ela não lhe ocultara o grande risco que ia correr. Muito atento, com a cabeça bem direita, o olhar brilhante, o pombo branco e castanho considerara-se apto a vencer. Mas dois dias tinham decorrido e a Rainha perscrutava o céu em vão». In Christian Jacq, A Rainha Liberdade, A Guerra das Coroas, ISBN 978-852-861-216-5, Bertrand Editora, 2006, ISBN 978-972-251-281-7.

Cortesia de BEditora/JDACT