segunda-feira, 1 de julho de 2019

A cidade de Viseu nos Séculos XVII e XVIII. Arquitectura e Urbanismo. Liliana Castilho. «No que concerne à cidade de Viseu, para além do já citado estudo de Amorim Girão, não há qualquer tentativa de criar modelos de interpretação urbana do burgo»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Não cabendo neste trabalho traçar a história da historiografia urbana portuguesa saliento apenas alguns trabalhos mais recentes que, pela sua metodologia e abrangência, criaram não só saber, mas igualmente método, meta distintamente mais complexa. Nesse sentido é de realçar o trabalho de Luísa Trindade, alavancado pela sua Dissertação de Mestrado e Tese de Doutoramento em que, partindo de uma análise global dos dados conhecidos para o território nacional e, de um criterioso trabalho de investigação de alguns casos particulares, propõe metodologias claras e concisas de análise do espaço urbano nas suas múltiplas vertentes. São igualmente de salientar nesse âmbito os trabalhos de Iria Gonçalves e Amélia Aguiar Andrade sobre o espaço urbano medieval.
Os trabalhos de Walter Rossa e Helder Carita sobre a formação e expansão dos modelos urbanísticos portugueses, numa cronologia que, partindo do período medieval, abarca já a época moderna são igualmente incontornáveis. Numa perpectiva cronologicamente mais abrangente são igualmente de destacar os trabalhos de investigação e síntese levados a cabo por Manuel Teixeira e Margarida Valla. Para o período moderno saliente-se o trabalho de José Ferrão Afonso e de Susana Martins que, apesar de restritos, do ponto de vista da amplitude geográfica do seu objecto de estudo, aplicaram e criaram bases metodológicas válidas para qualquer trabalho desta índole.
Em relação ao século XVIII, a dívida de gratidão e o reconhecido mérito não me permitem omitir o trabalho de Joaquim Jaime Ferreira-Alves sobre o Porto na Época dos Almadas. De destacar igualmente em cronologia equivalente o trabalho de Luís Rodrigues sobre a cidade de Bragança.
No que concerne à cidade de Viseu, para além do já citado estudo de Amorim Girão, não há qualquer tentativa de criar modelos de interpretação urbana do burgo. A historiografia local prende-se sobretudo, à semelhança do que sucede na maior parte do país, aos grandes edifícios e personalidades que os geraram, estudados de forma independente e desarticulada como se o tecido urbano de que fazem parte fosse meramente acidental. Ainda assim são de salientar os artigos, publicados sobretudo na Revista Beira Alta, por Alexandre Lucena e Vale e Alexandre Alves que produziram importantes avanços no conhecimento de alguns monumentos da cidade e do seu suporte documental, bem como o trabalho anteriormente desenvolvido por Maximiano Aragão principalmente ao nível do estudo das instituições.
A cidade de Viseu, independentemente da cronologia exacta em que decidamos iniciar o seu estudo não é resultado de um projecto urbano prévio, ou de um traçado regular, mas antes de um crescimento orgânico, de génese medieval, que responde de forma pragmática e espontânea às necessidades vivenciais da população. A urbe com que nos deparamos no início do século XVII, data com que balizamos o início do nosso estudo, concentra-se ainda, maioritariamente, no interior das muralhas afonsinas e hesita ousar a expansão. Sede episcopal anterior à nacionalidade é em torno do núcleo central da Sé que se desenvolve a cidade, mais tarde alicerçada igualmente no poder camarário consubstanciado nos Paços e Praça do Concelho. As profundas transformações que algumas cidades vão conhecer a partir do século XVI e sobretudo ao longo dos séculos XVII e XVIII, assinalando novas formas de pensamento e conceptualização do espaço vivencial, só ao de leve marcaram a urbe. A aplicação de esquemas clássicos na organização do espaço e o cuidado pela imagem da cidade, tão caros à época, são visíveis em Viseu, não como fruto de um plano levado a cabo por uma autoridade, civil ou eclesiástica, mas antes como produto de um esforço comum que, sob os mesmos ideais estéticos, produz obras independentes que contribuem para a beleza e até, por vezes, regularidade do todo. Como eixo estruturante do traçado urbano da cidade temos, antes de mais a muralha, que define o espaço urbano em si mesmo por oposição ao que o não é. A partir desse limite estabelecem-se eixos viários que se entrecruzam, criam-se ritmos diários de circulação e permanência, que geram praças e rossios e, consubstanciam-se nas festas e procissões os cenários extraordinários por eles compostos.

A muralha
Em contraste com o carácter aberto do campo era a presença da muralha que consagrava o estatuto urbano de uma povoação, e que delimitava, física e simbolicamente, a cidade da não cidade. Construída por motivos essencialmente defensivos a sua funcionalidade foi sendo alterada ao longo do tempo, perdendo progressivamente o seu carácter militar, mas mantendo inalterada sua função de delimitação do espaço urbano». In Liliana Castilho, A cidade de Viseu nos Séculos XVII e XVIII, Arquitectura e Urbanismo, Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2012.

Cortesia de FLUdoPorto/JDACT