terça-feira, 2 de julho de 2019

A cidade de Viseu nos Séculos XVII e XVIII. Arquitectura e Urbanismo. Liliana Castilho. «Segundo Botelho Pereira a muralha nunca teve ameias, mas tinha um passeio de ronda, guardado por dois parapeitos, um interior e um exterior, ao qual se acedia por degraus…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) A construção da muralha da cidade de Viseu tem início no reinado de João I referindo-se a ela alguns capítulos das cortes de Lisboa de 1412:

que os da cidade e dos povos até duas léguas em redor servissem na obra da cerca, que então se andava construindo, não seis dias continuados em cada seis meses, mas um dia em cada mês, ficando os moradores do termo com dantes a servirem os ditos seis dias em cada seis meses, consecutivamente; que nem Lopo Fernandes nem outro qualquer obrigasse os moradores da cidade, quando abrissem algum tonel de vinho para vender, a ir leva-lo à obra, porque nem todos tinham servidores e criados que ali o levassem, e outros não tinham quem o vendesse senão suas mulheres, e não era justo e decente que elas ali fossem, obrigando-se os moradores da cidade a prover homem que tivesse continuamente taberna aberta na dita obra e bom vinho e aguisado e pelo preço da cidade.

As obras continuaram no reinado de Afonso V e nas cortes da Guarda, em 1465, determina-se que se mandasse acabar a cêrca da cidade, que já estava começada, ou ao menos se lhe mandasse pôr um peitoril diante da dita cerca para amparo da cidade, que já duas ou três vezes tinha sido queimada pelos corredores de Castela. Em 1472 foram dadas por concluídas e Afonso V manda gravar uma inscrição, hoje indecifrável, onde segundo Botelho Pereira se lia:

D. Affonso o Quinto Rey de Portugal e dos Algarves da quem e da lem mar em Africa, Mandou cercar esta nobre cidade de Viseu assi por nobreza, e defendam della com prol comum de seus Reynos (parte ilegível) 1472.

A cerca da cidade, que tinha sete portas, seguia da Porta do Soar, também chamada de S. Francisco ou Arco dos Melos, ainda existente, pela actual Rua Silva Gaio onde na intersecção com a Rua da Cal se abria a Porta da Senhora das Angústias cujo arranque do arco ainda é visível na muralha. Daí continuava rua abaixo até à Porta dos Cavaleiros, prosseguindo desta até às traseiras do Convento das Freiras onde se abria a Porta de S. Sebastião, inflectia à actual rua Capitão Silva Pereira onde, mais ou menos no cruzamento com a rua do Gonçalinho se abria a Porta de S. Miguel. Subia ao Rossio de Santa Cristina onde, à entrada da Rua da Árvore, ficava a Porta do Senhor Crucificado cujos arranques ainda são visíveis, continuava para Cimo de Vila onde se encontrava a Porta de São José, no local em actualmente que a Rua Formosa intercepta a Rua Direita, subindo de novo até à Porta do Soar fechando o circuito. Cada porta tinha um Santo protector ou por vezes dois, um no interior e outro no exterior, alguns dos quais deram nome às portas. Na Porta do Soar estavam Santo António e São Francisco de Borja, na Porta de Nossa Senhora das Angústias a respectiva imagem também referida como Nossa Senhora do Pranto ou Nossa Senhora do Postigo; na Porta do Arco estava também a imagem da Virgem; nas Portas de São Sebastião e São Miguel os respectivos Santos; em Santa Cristina, Cristo Crucificado e em Cimo de Vila estava S. José no exterior e Nossa Senhora da Graça no interior.
Segundo Botelho Pereira a muralha nunca teve ameias, mas tinha um passeio de ronda, guardado por dois parapeitos, um interior e um exterior, ao qual se acedia por degraus cravados na própria muralha, ainda visíveis junto da antiga Porta da Senhora das Angústias. Curioso é o facto, visível nas Portas que ainda restam de, as casas nobres da época Moderna anexas à muralha, terem incorporado o passeio de ronda como varanda ou miradouro privativo para o qual se abrem portas no andar nobre. Sobre a Porta do Soar abre-se um terraço privativo dos condes de Santa Eulália e sobre a Porta dos Cavaleiros foi criado um recreio privado da Casa dos Albuquerques. Em caso de ameaça exterior era nomeado para cada porta um guarda-mor encarregado de a defender, não só em caso de investida militar, mas também como medida de sanidade pública, encerrando a cidade em caso de peste, como aconteceu em 1577, de modo a impedir contactos com o exterior que podiam resultar em contaminação». In Liliana Castilho, A cidade de Viseu nos Séculos XVII e XVIII, Arquitectura e Urbanismo, Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2012.

Cortesia de FLUdoPorto/JDACT