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de wikipedia e jdact
Uma
Leitura do seu Poema sobre um Barco
«Catulo,
o primeiro grande lírico da língua latina, poeta nouus, na expressão de Cícero, e herdeiro da poesia de
Alexandria, conserva a sua independência em relação ao alexandrinismo e parece
que supera os seus modelos: o seu génio romano ilumina a sua poesia. Mesmo o
poema sobre o barco, por exemplo, é novo sob a arte de Catulo e é
indubitavelmente italiano. E revela a técnica do Poeta, e um sentimento de cores
bem marcadas: o poema sobre o barco, aparentemente muito simples, tem algo de
muito profundo».
«Pouco se sabe sobre a vida de
Catulo. Pode-se ter como certo que o local de seu nascimento é Verona, que fica
na Gália Transpadana, pois foi sempre chamado Veronense. Teria vivido de 87/82 a 54/52 a.C., ou
seja, na época de César, de Cícero, de Lucrécio: época de um dos maiores
documentos poéticos do Ocidente, época do apogeu da prosa latina, e das mais
conturbadas da política romana. Mas, ao contrário do que se poderia pensar, não
se encontra em Catulo uma poesia
politica, mas tão-somente invectivas pessoais, a Pompeu, por exemplo,
a César, a Mamurra (era o principal
engenheiro de César na Gália, onde enriqueceu; foi invectivado por Catulo e glosado
por Horacio). Não sabemos como ou quando chegou a Roma. Parece claro que
frequentou a alta sociedade intelectual romana, como se pode depreender dos
nomes dos destinatários dos seus poemas e de sua amizade a Comélio Nepos, a
quem dedica o seu livro, e que também o cita na sua obra. Igualmente sabemos
que acompanhou Caio Mémio à Bitínia, de 57 a 56. Onde estudou não sabemos ao
certo. Pode ter sido aluno do gramático e poeta Valério Cato, fazedor de poetas,
igualmente originário da Gália, e a quem alguns estudiosos atribuem grande
influência no desenvolvimento da poesia nova em Roma. O que vem a ser essa
poesia nova?
Catulo pertence
a um período de transição entre o antigo e o moderno.
De um lado, Lucrécio e o De rerum natura, de linguagem
arcaizante, inspirada em Énio: tradicional e clássico. De outro ospoetae
noui (como diz Cícero),
entre os quais Hélvio Cina, que escreveu um poemeto sobre o mito de Mirra e
Adónis, poemeto para o qual Catulo prognosticou a imortalidade, mas do qual só
nos restam três versos; Licínio Calvo, que o Veronense lembra no poema 53 e,
adiante, consola pela perda da esposa, e que teria escrito um poemeto a Ion,
filho de Creúsa e Apoio; e, naturalmente, o próprio Caio Valério Catulo. Esses
poetas são, como diz Fordyce (1973), os que rompem com a tradição da poesia
latina e lhe dão estilo e espírito novos, individuais, subjectivos e
românticos, e novos padrões de técnica. Desprezados por Cícero, esses poetas se
sabem novos e querem sê-lo. O seu credo é a arte pela arte. E estão ligados a
uma Escola que se conhece como Alexandrina. Sobre o alexandrinismo, lembremos
ainda Fordyce: a poesia de Alexandria, chegando ao fim de longa história
poética, era uma literatura de exaustão, procurando novidade na forma e no
conteúdo porque, segundo afirmara Calímaco de Cirene, tudo já havia sido feito.
Caracterizam-na a erudição e o prazer estético. Os dois géneros mais em voga
são, então, a elegia e o conto épico; além desses, encontram-se o epigrama, o
idílio e o mimo. Os maiores nomes da poesia de Alexandria, ao lado de Calímaco,
são Filetas de Cós e seus poemas de amor, Apolónio de Rodes e o seu poema épico
sobre os Argonautas, Teócrito de Siracusa (Cós e Alexandria) com seus idílios,
e Arato de Solos, autor dos Fenomenos. Paradoxalmente, podemos dizer que os
poetas novos se opõem aos alexandrinos porque, embora neles se inspirem, são
antes de tudo romanos, e o seu génio romano ilumina a sua poesia. Os estudiosos
são quase unânimes em afirmar que esses poetas não apenas escreviam sobre as
suas paixões mas sentiam-nas, e que a sua poesia não brotava da inteligência mas
da sensibilidade, respirando paixão e ardor de vida. E aí residiria a grande
diferença entre os verdadeiros alexandrinos e os alexandrinos romanos.
Catulo
será provavelmente o maior destes e talvez o maior entre todos os alexandrinos.
E o mais ardente poeta do eu das literaturas
clássicas; e a sua poesia, embora tecnicamente perfeita, é um grito apaixonado
e genial, que brota da mais profunda alma romana, e, no entanto, é moderno. Ao
lado de poemas curtos em metro variado, principalmente jambos (os cinquenta e
nove primeiros da colecção, assim como a temos) deixou-nos epigramas em
dísticos elegíacos, os quarenta e nove últimos, poemas curtos, à exceção do que
tem o número 76 (Si qua recordanti),
que tem vinte e seis versos, e nove poemas de inspiração erudita e bem
alexandrina, em geral longos (variando de quarenta a quatrocentos e oito
versos). Entre estes, encontram-se: um que chora a morte do irmão (65), outro
(66) que é a tradução da cabeleira de Berenice, de Calímaco, e também o
epitalâmio de Tétis e Peleu (64), o mais longo». In Maria Glória Novak, O Lirismo
de Caio Valério Catulo, Uma Leitura do seu Poema sobre um Barco, Departamento
de Letras Clássicas e Vernáculas, USPFFLCH, Língua e Literatura, 1996.
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