Cortesia
de wikipedia e jdact
Nascimento
e glória de Júpiter
«(…) A praga que seu pai lhe
lançara no dia em que o mutilara com a foice diamantina ainda ecoava nos seus ouvidos:
ai de V, rebento infame... Do mesmo modo que usurpou o mando supremo, irá
também um dia perdê-lo... Nada de filhos, exclamou, por fim, a velha divindade.
Cibele, venha já até mim! A sua esposa surgiu, um tanto intimidada. Quando
nasce esta criatura que você está carregando? Vamos, diga!, bradou Saturno. Nos
próximos dias, Saturno querido... Assim que nascer, traga-a imediatamente até
mim. Assim será, meu esposo. Cibele, correndo os dedos pelas madeixas, sorria
candidamente. Alguns dias depois, com efeito, nasceu o primeiro bebé: era Juno,
uma menina encantadora, porém de poucos sorrisos. Deixe-me vê-la, sussurrou
Saturno. Veja, não é linda?, disse Cibele, a imprudente. Encantadora!,
respondeu o deus, com um sorriso equívoco. Vamos, dê-lhe um beijo!, disse
Cibele, a louca.
O velho deus tomou, então, a
criança, envolta nos panos, e aproximou-a de seu imenso rosto. Dá mesmo vontade
de engoli-la inteira, exclamou, arreganhando os dentes. Cibele chorou de
ternura. Num segundo Saturno abriu de par em par a bocarra, como duas portas
que dão para um abismo, e engoliu a pobre criança, que não deu um único pio. Cibele
chorou de horror. Sem descer a explicações, Saturno tomou a cabeça da esposa nas
suas mãos e exclamou: e nada de choros, hein? Nada de vinganças. Depois,
despediu-a, não sem antes adverti-la: e já sabe, nascendo outro, quero-o logo
aqui. Saturno dava tapinhas na sua barriga cheia, como que felicitando-se pelo
engenhoso estratagema. Depois retomou o seu eterno estribilho, agora com
renovado prazer: e V aí dentro, já sabe: aqui é assim, mando eu e ninguém mais.
O tempo passou e foram nascendo os rebentos. Tão logo os filhos da desgraçada
Cibele iam saindo do cálido ventre da mãe, eram imediatamente metidos na cova
tétrica do estômago do pai. Passaram, assim, por este odioso portão, além da já
citada Juno, os infelizes Plutão, Neptuno, Vesta e Ceres. Quando chegou, porém,
a vez do quinto bebé, Cibele, farta de tanta sujeição, revoltou-se afinal: não,
este não..., pensava, e o seu laconismo dava bem a medida da sua determinação. Passando,
então, das palavras à acção, correu até a mais distante caverna do mundo, a caverna
de Dicte, e lá gemeu e gritou, até dar à luz Júpiter, seu último e mais
esperado filho.
Depois de entregar o garoto aos
cuidados das ninfas da floresta, Cibele retornou às pressas para o palácio de
Saturno. Uma vez nos seus aposentos, envolveu uma pedra nos lençóis e começou a
gritar, como quem está em trabalho de parto. Temos nova peste, exclamou
Saturno, rumando celeremente para o quarto. Tão logo enxergou a sua esposa segurando
algo envolto nos panos, tomou-lhe o embrulho das mãos e engoliu-o, imaginando
ser o quinto bebé. É o último, hein...?, disse o deus, limpando a boca com as
costas da mão e desaparecendo em seguida pela porta. Mas Cibele chorou, como
das outras vezes. Tudo agora parecia em paz, pensava Saturno, enquanto gozava
do silêncio, refestelado no seu trono dourado. De vez em quando, porém, repetia
bem alto o seu amado estribilho, pois o silêncio absoluto enchia-o de vagas
apreensões. Bom mesmo é minha voz retumbando: aqui é assim, mando eu e ninguém
mais, gritava ele, acalmando-se.
E
isto era bom, também, para o jovem Júpiter, que permanecia oculto nas grutas distantes,
podendo chorar à vontade. Quando chorava alto demais, as ninfas que dele
cuidavam ordenavam que alguns guerreiros, chamados curetes, reverberassem seus
escudos com toda a força, para abafar os sons infantis. Para acalmá-lo, havia
uma doce cabra, chamada Amaltéia, que o amamentava e lhe servia de distracção,
distracção que também lhe era trazida por uma bola estriada de ouro, que o
garoto recebera de presente de uma das ninfas, a qual ao subir e cair deixava
no céu, como um fulgente meteoro, um belo rastro dourado. Por fim, havia ainda
uma águia encantada que todos os dias vinha de todas as partes do mundo contar
novidades e instruir o jovem deus nas coisas da vida. Júpiter, grande deus,
disse-lhe um dia a águia, quando o garoto já estava crescido, já é hora de
saber sobre o terrível perigo que V corre. A ave, então, narrou ao deus todo o
drama que dera origem à sua existência». In AS Franchini e Carmen Seganfredo, As 100
Melhores Histórias da Mitologia, Deuses, Heróis, Monstros, Guerras da tradição
Greco-Romana, L&PM, 2003, 2007, ISBN 852-541-316-X.
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