sábado, 17 de agosto de 2019

As 100 Melhores Histórias da Mitologia. AS Franchini e Carmen Seganfredo. «Tão logo os filhos da desgraçada Cibele iam saindo do cálido ventre da mãe, eram imediatamente metidos na cova tétrica do estômago do pai»

Cortesia de wikipedia e jdact

Nascimento e glória de Júpiter
«(…) A praga que seu pai lhe lançara no dia em que o mutilara com a foice diamantina ainda ecoava nos seus ouvidos: ai de V, rebento infame... Do mesmo modo que usurpou o mando supremo, irá também um dia perdê-lo... Nada de filhos, exclamou, por fim, a velha divindade. Cibele, venha já até mim! A sua esposa surgiu, um tanto intimidada. Quando nasce esta criatura que você está carregando? Vamos, diga!, bradou Saturno. Nos próximos dias, Saturno querido... Assim que nascer, traga-a imediatamente até mim. Assim será, meu esposo. Cibele, correndo os dedos pelas madeixas, sorria candidamente. Alguns dias depois, com efeito, nasceu o primeiro bebé: era Juno, uma menina encantadora, porém de poucos sorrisos. Deixe-me vê-la, sussurrou Saturno. Veja, não é linda?, disse Cibele, a imprudente. Encantadora!, respondeu o deus, com um sorriso equívoco. Vamos, dê-lhe um beijo!, disse Cibele, a louca.
O velho deus tomou, então, a criança, envolta nos panos, e aproximou-a de seu imenso rosto. Dá mesmo vontade de engoli-la inteira, exclamou, arreganhando os dentes. Cibele chorou de ternura. Num segundo Saturno abriu de par em par a bocarra, como duas portas que dão para um abismo, e engoliu a pobre criança, que não deu um único pio. Cibele chorou de horror. Sem descer a explicações, Saturno tomou a cabeça da esposa nas suas mãos e exclamou: e nada de choros, hein? Nada de vinganças. Depois, despediu-a, não sem antes adverti-la: e já sabe, nascendo outro, quero-o logo aqui. Saturno dava tapinhas na sua barriga cheia, como que felicitando-se pelo engenhoso estratagema. Depois retomou o seu eterno estribilho, agora com renovado prazer: e V aí dentro, já sabe: aqui é assim, mando eu e ninguém mais. O tempo passou e foram nascendo os rebentos. Tão logo os filhos da desgraçada Cibele iam saindo do cálido ventre da mãe, eram imediatamente metidos na cova tétrica do estômago do pai. Passaram, assim, por este odioso portão, além da já citada Juno, os infelizes Plutão, Neptuno, Vesta e Ceres. Quando chegou, porém, a vez do quinto bebé, Cibele, farta de tanta sujeição, revoltou-se afinal: não, este não..., pensava, e o seu laconismo dava bem a medida da sua determinação. Passando, então, das palavras à acção, correu até a mais distante caverna do mundo, a caverna de Dicte, e lá gemeu e gritou, até dar à luz Júpiter, seu último e mais esperado filho.
Depois de entregar o garoto aos cuidados das ninfas da floresta, Cibele retornou às pressas para o palácio de Saturno. Uma vez nos seus aposentos, envolveu uma pedra nos lençóis e começou a gritar, como quem está em trabalho de parto. Temos nova peste, exclamou Saturno, rumando celeremente para o quarto. Tão logo enxergou a sua esposa segurando algo envolto nos panos, tomou-lhe o embrulho das mãos e engoliu-o, imaginando ser o quinto bebé. É o último, hein...?, disse o deus, limpando a boca com as costas da mão e desaparecendo em seguida pela porta. Mas Cibele chorou, como das outras vezes. Tudo agora parecia em paz, pensava Saturno, enquanto gozava do silêncio, refestelado no seu trono dourado. De vez em quando, porém, repetia bem alto o seu amado estribilho, pois o silêncio absoluto enchia-o de vagas apreensões. Bom mesmo é minha voz retumbando: aqui é assim, mando eu e ninguém mais, gritava ele, acalmando-se.
E isto era bom, também, para o jovem Júpiter, que permanecia oculto nas grutas distantes, podendo chorar à vontade. Quando chorava alto demais, as ninfas que dele cuidavam ordenavam que alguns guerreiros, chamados curetes, reverberassem seus escudos com toda a força, para abafar os sons infantis. Para acalmá-lo, havia uma doce cabra, chamada Amaltéia, que o amamentava e lhe servia de distracção, distracção que também lhe era trazida por uma bola estriada de ouro, que o garoto recebera de presente de uma das ninfas, a qual ao subir e cair deixava no céu, como um fulgente meteoro, um belo rastro dourado. Por fim, havia ainda uma águia encantada que todos os dias vinha de todas as partes do mundo contar novidades e instruir o jovem deus nas coisas da vida. Júpiter, grande deus, disse-lhe um dia a águia, quando o garoto já estava crescido, já é hora de saber sobre o terrível perigo que V corre. A ave, então, narrou ao deus todo o drama que dera origem à sua existência». In AS Franchini e Carmen Seganfredo, As 100 Melhores Histórias da Mitologia, Deuses, Heróis, Monstros, Guerras da tradição Greco-Romana, L&PM, 2003, 2007, ISBN 852-541-316-X.

Cortesia de L&PM/JDACT