quinta-feira, 15 de agosto de 2019

As Mulheres de Lesbos nas Mãos de Catulo. Zilma G. Nunes. «Percebe-se que, em muitos casos, a via de chegada das mulheres de Lesbos é por meio dos poemas de Catulo. (…) examinar a influência da poesia de Safo…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Vieste, e fizeste bem. Eu esperava,
queimando de amor; tu me trazes a paz».
Safo

«O presente trabalho surgiu dentro de um projecto maior, o resgate da poesia inédita do catarinense Ernani Rosas, pesquisa de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina. Como a minha área de actuação como docente é a de Língua e Literatura Latina, procurei relacionar a minha pesquisa com a minha área de actuação e passei a destacar, na poesia de Ernani Rosas, a presença de figuras mitológicas ou históricas abstraídas do modelo greco-latino. Numa primeira observação, pode-se notar na obra de Rosas um mitológico desfile de figuras pagãs como o belo grego Adónis ao lado de Narciso, seguidos do mito, já cristão, de Salomé.
Como título de um poema, Rosas questiona Vénus ou Safo? Interessante marcação, tanto mais que, em outro poema, a latina Vénus dá lugar à sua versão grega Afrodite. Percebe-se, assim, que Safo está presente, emprestando o seu nome, ou suas Lésbias, ou seu modelo lírico, ou a sua ousadia a poetas de todos os tempos. Celebrada por Platão Safo, a bela, imitada por Catulo, a poeta empresta as suas personagens e seu jeito de se referir a elas a poetas como Cruz Sousa, Lésbia nervosa, fascinante e doente, / Cruel e demoníaca serpente / Das flamejantes atracções do gozo. Almeida Garret traduz Quantos me podem saciar, ó Lésbia, / Suaves beijos teus saber desejas?. Péricles Eugênio Silva Ramos Vamos viver e amar-nos, minha Lésbia. Aires Gouveia Do amor, minha Lésbia, / vivamos..., entre outros.
Percebe-se que, em muitos casos, a via de chegada das mulheres de Lesbos é por meio dos poemas de Catulo. Pretendo, portanto, neste trabalho, examinar a influência da poesia de Safo (de Lesbos, nascida por volta do ano 612 a. C.) na poesia de Catulo (Verona, 84 a. C.). A obra lírica de Catulo consiste numa colectânea de 116 poemas curtos, de métrica variada, escritos em linguagem viva e provocante. É bastante recorrente, na sua poesia, uma espécie de musa inspiradora de nome Lésbia. Era comum à época do latino Catulo que os modelos a serem imitados fossem os gregos, o que não parece natural é que um poeta pudesse imitar um raro exemplar feminino. Mais interessante ainda é o facto de que a poeta imitada era Safo, mulher que fugia aos padrões de uma sociedade patriarcal de poetisas educadoras. Safo foi líder de uma sociedade literária feminina chamada Casa das Musas. Objectivava, essa sociedade, reunir mulheres que se devotavam à música, à poesia e ao culto de Afrodite.
Safo, nas biografias, é retratada sempre com os mesmos traços. Nasceu na ilha de Lesbos, em torno do ano 612 a. C.. Era de família aristocrática, conheceu, da mesma forma que o seu contemporâneo, o poeta Alceu, o exílio, vivendo por algum tempo na Sicília. Foi casada com Kerdolas Andros com quem teve uma filha, Kleis. Quase todos os resumos biográficos fazem referência à beleza de Safo, excepção ao Dicionário internacional de biografias que diz Safo não era bonita, mas franzina e trigueira. Levou uma vida de extraordinária independência numa época em que a mulher grega vivia pudicamente retirada no gineceu. Facto referido por todos é que a sua casa, dedicada às musas, era frequentada por mulheres desejosas de aprender música e poesia. Graças a esse facto e ao sentimento ardente de amor na sua poesia, muitos de seus textos foram dedicados a mulheres, correm lendas a respeito de sua vida íntima, de seus costumes, da sua dedicação e carinho ao mesmo sexo. Lembra o biógrafo que os costumes gregos eram muito mais livres que o são hoje e, as ligações entre Safo e suas discípulas podem ser comparadas às de Sócrates e os seus.
Num contexto histórico-cronológico, segundo Jaeger enquanto a poesia jónica posterior a Arquíloco apresenta, nos séculos VII e VI a. C., a forma de uma reflexão universalmente válida sobre os direitos naturais da vida, a poesia eólica se Safo de Lesbos e de Alceu exprime a própria intimidade da vida individual». In Zilma G. Nunes, As Mulheres de Lesbos nas Mãos de Catulo, Prelúdio de uma voz oculta, 2002, UFSC, Wikipedia.

Cortesia de UFSC/JDACT