terça-feira, 27 de agosto de 2019

Joana. A Louca. Linda Carlino. «Joana ergueu o olhar, logo se alegrando, pois ainda poderia haver esperança. Meu senhor arcebispo Cisneros e meu querido tio, por favor, perdoai esta recepção tão pouco hospitaleira»

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«(…) A rainha Isabel encarregou-me da vossa segurança e peço a vós que fiqueis aqui. Não, berrou ela. Como é que a minha mãe me pode fazer isso de novo? Chega! Haveis-me pedido que ficasse e eu recusei. E tentou passar por ele. Fonseca avançou para a frente dela. Suas Majestades pretendem apenas que fiqueis mais um pouco até poderem vir dizer adeus. Ah! Peço-vos que não insulteis a minha inteligência. Afastai-vos, quero passar. Fechai os portões! Baixai a ponte levadiça!, ordenou Fonseca. O estrondo da madeira reforçada e o ranger de correntes dilaceraram-lhe a alma. Ouvia o esmagar de todos os seus sonhos e esperanças. Recebi ordens para que não vos ausenteis deste local até Suas Majestades darem autorização. Não podeis visitar a cidade, nem sequer pensar em viajar. Lembram-vos que seria extremamente perigoso para vós viajar sem autorização. Devo tomar todas as precauções necessárias que vos impeçam de agir contra o desejo deles. Seu vilão! Seu vilão inqualificável. Pensei que éreis meu amigo. Revelastes todos os meus planos pelas minhas costas e depois conspirastes contra mim. E agora aprisionais-me. Confiava em vós e traístes-me. Agora não tenho qualquer esperança. Cuspiu-lhe aos pés. Não sois digno das vestes que envergais. Deixai que vos diga que, quando for rainha, farei com que os vossos actos sejam justamente recompensados. Antes de fazer o que quer que seja, ordenarei que vos enforquem. Ao contrário dos que me rodeiam, cumpro as minhas promessas, Fonseca. Odeio-vos! Hei-de mandar cortar a vossa língua viperina!
O padre curvara-se e apressara-se pelo portão do postilhão, lançando ordens enquanto caminhava. Já partira havia algum tempo quando Joana se apercebeu de como fora ofensiva para com a pessoa que insistira ter sempre a seu lado quando fosse rainha. Ergueu as saias e correu pelos degraus acima até às ameias, chamando-o. Meu senhor bispo, por favor, voltai, não pretendia dizer aquilo, perdoai-me. Não, acho melhor informar a rainha Isabel da situação. Ela irá aconselhar-me sobre o melhor a fazer. Joana desceu, vacilante, doente de apreensão. Só quero ir para junto do meu Felipe. Durante o resto do dia e da noite caminhou pela estreita passagem que corria junto às muralhas, mergulhada na sua infelicidade. Não dava conta da chegada das criadas, não reparava na mudança da guarda, ignorava a oferta de mais um manto. A um dado momento, na manhã seguinte, ouviu uma voz que se dirigia a ela. Dois visitantes, Vossa Majestade.
Joana ergueu o olhar, logo se alegrando, pois ainda poderia haver esperança. Meu senhor arcebispo Cisneros e meu querido tio, por favor, perdoai esta recepção tão pouco hospitaleira, mas, como vedes, espero partir a qualquer momento. Assim ouvimos, Senhora, mas não estaríeis mais confortável lá dentro? Tendes razão, e convidou-os a segui-la. Ambos se aperceberam de que a vitória seria fácil.

Joana, isto são as cozinhas. Pensamos ir para os vossos aposentos, sussurrou dom Fradique. Tio, aqui serve muito bem para mim. Vou esperar lá fora e comer e beber aqui até chegar o momento de partir. Joana, vim da parte da rainha para vos implorar, a bem da vossa saúde, que volteis para os vossos aposentos. Tendes de ter mais cuidado com a vossa pessoa para que, quando chegar a Primavera, estejais bem para viajar. Porque terei imaginado que trazíeis boas notícias? A minha mãe fala da primavera, não é verdade? Pretende deixar-me aqui para sempre, que eu bem sei. Fostes enviado com um monte de mentiras. Tio, eu só quero o meu Felipe, por que ela não me deixa ir ao seu encontro? Por que me tortura assim? Joana, minha querida, é claro que quereis o vosso príncipe e ireis ao seu encontro, mas a seu tempo. Tendes de vos recordar que não sois uma mera senhora a tentar voltar para o marido e para os filhos: é necessária muita cautela em todas as acções que vós e nós empreendermos. Analisemos a situação cuidadosamente». In Linda Carlino, That Other Joana, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa, 2009, ISBN 978-972-234-231-5.

Cortesia de EPresença/JDACT