Da
Colónia ao Império
Deitar
Onde
«(…)
Ou que os ruídos fossem abafados pelos de uma falsa tosse. Às senhoras que
sofriam de gases, era sugerido ter sempre cachorrinhos como companhia. Aos
pobres quadrúpedes eram atribuídos os maus cheiros ou os ruídos anormais. Entre
nós, os flatos eram combatidos, segundo o cirurgião barbeiro Luís Gomes
Ferreira, actuante em Minas Gerais, em 1735,
com copinhos ou dedais de aguardente. Aqui, os limites para suportar o mau
cheiro corporal não só ficavam evidentes no quotidiano, como eram tolerados. O
melhor narrador sobre o tema é Gregório Matos. A sua obra poética está recheada
de factos do dia-a-dia. Muitos dos seus poemas foram oferecidos, por exemplo, A
uma mulher que se borr… na igreja em quinta-feira de Endoenças, A uma mulher
corpulenta que em noite de Natal soltou um traque para chegar ao confessionário,
etc. O tímido desgosto frente à nudez e ao mau cheiro reforçava, contudo, as
normas culturais do início dos tempos modernos. Apesar de a sujeira estar em
toda parte, as pessoas apontavam-na com o dedo e começavam a incomodar-se. Os
maus modos também começaram a ser notados. Sobretudo, defecar e urinar em público,
expondo as partes íntimas, chocava.
Que o diga John Barrow, que, no
seu relato A Voyage to Conchinchina
in the Years of 1792 and 1793, registou o hábito das mulheres de
urinar descaradamente nas ruas do Rio. O certo era fazê-lo contra um muro,
cobrindo o sexo, na tentativa de proteger-se dos olhares alheios. Se a
intimidade não era regra para todos, cobrir o sexo era lei. O Renascimento,
apesar do seu amor pela beleza física, jamais discutiu a questão da nudez.
Deu-lhe apenas outro sentido. Ver uma mulher nua, segundo o filósofo francês
Montaigne, esfriava mais o ardor sexual do que incitava à tentação. No reino de
Pegu, actual Birmânia, explicava ele, os homens preferiam ter prazer uns com os
outros. Isso, pois o uso de vestidos fendidos, que nada escondiam, os fez desgostar
profundamente das mulheres.
Onde
se Esconde o Desejo
Frente a tal noção de
privacidade, que atenção se dava aos corpos? O que agradava ou desagradava?
Gilberto Freyre foi pioneiro em captar o interesse dos portugueses pela moura encantada:
tipo delicioso de mulher morena de olhos pretos, segundo ele, envolta em misticismo
sexual, sempre de encarnado, sempre penteando os cabelos ou banhando-se nos rios
ou nas águas de fontes mal-assombradas, que os lusos vieram reencontrar nas índias
nuas e de cabelos soltos. Que estas tinham também os olhos e os cabelos pretos,
o corpo pardo pintado de vermelho e, tanto quanto as nereidas mouriscas, eram
doidas por um banho de rio onde se refrescasse a sua ardente nudez e um pente
para pentear o cabelo. Além do que, eram gordas como as mouras.
Morenice
e robustez eram, então, padrões de beleza. Não apenas na pluma dos poetas, mas também
na pena de viajantes estrangeiros de passagem pelo Brasil, sensíveis, eles também,
às nossas Vénus». In Mary del Priore, Histórias íntimas, Sexualidade e erotismo na
história do Brasil, Editora Planeta do Brasil, São Paulo, CDD-302-309-81, 2011,
ISBN 978-857-665-608-1.
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