domingo, 18 de agosto de 2019

O Segundo Sexo. Simone Beauvoir. «Os casos de intersexualidade são numerosos nos animais e mesmo no homem e encontram-se, nas borboletas, nos crustáceos…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Factos e Mitos. Destino
«(…) Já se disse que, em muitos vegetais e certos animais inferiores, entre os quais os moluscos, a especificação dos gametas não acarreta a dos indivíduos, produzindo, cada um deles, óvulos e espermatozóides a um tempo. Mesmo quando os sexos se separam, não existem entre eles barreiras estanques como as que encerram as espécies. Assim como os gametas se definem a partir de um tecido original indiferenciado, machos e fêmeas surgem antes como variações sobre uma base comum. Entre certos animais, o caso mais típico é o da bonélia, o embrião é inicialmente assexuado e são os acasos de seu desenvolvimento que decidem ulteriormente da sua sexualidade. Admite-se hoje que na maioria das espécies a determinação do sexo depende da constituição genotípica do ovo. O ovo virgem da abelha, reproduzindo-se por partenogénese, dá exclusivamente machos; o dos pulgões, nas mesmas condições, exclusivamente fêmeas. Quando os ovos são fecundados é interessante notar que, salvo, talvez, em certas aranhas, o número de indivíduos machos e fêmeas procriados é sensivelmente igual; a diferenciação provém da heterogeneidade de um dos dois tipos de gametas; entre os mamíferos são os espermatozoides que possuem uma potencialidade masculina ou feminina; não se sabe exactamente o que, durante a espermatogénese ou a ovogénese, decide do carácter singular dos gametas heterogéneas; em todo o caso, as leis estatísticas de Mendel bastam para explicar-lhes a distribuição regular. Nos dois sexos, o processo de fecundação e o início do desenvolvimento embrionário efectuam-se de maneira idêntica; o tecido epitelial destinado a evoluir em gonadia é, no início, indiferenciado; é num certo estágio de maturação que os testículos se afirmam ou que mais tardiamente se esboçam os ovários. Isso explica que entre o hermafroditismo e o gonocorismo existe uma quantidade de intermediários; muitas vezes, um dos sexos possui certos órgãos característicos do sexo complementar. O caso mais impressionante é o do sapo: encontra-se no macho um ovário atrofiado, denominado órgão de Bidder, e que se pode artificialmente forçar a produzir ovos. Entre os mamíferos, subsistem vestígios dessa bipotencialidade sexual, entre outros, a hidratila pediculada e séssil, o uterus masculinus, as glândulas mamárias no macho e, na fêmea, o canal de Gartner, o clitóris. Mesmo nas espécies em que a divisão sexual é mais marcada, há indivíduos que são machos e fêmeas ao mesmo tempo. Os casos de intersexualidade são numerosos nos animais e mesmo no homem e encontram-se, nas borboletas, nos crustáceos, exemplos de ginandromorfismo em que os caracteres masculinos e femininos se justapõem numa espécie de mosaico. É que, genotipicamente definido, o feto é, entretanto, profundamente influenciado pelo meio em que haure sua substância. Sabe-se que entre as formigas, as abelhas e as térmitas é o modo de nutrição que faz da larva uma fêmea acabada ou freia sua maturação sexual, transformando-a em operária. A influência nesse caso age sobre o conjunto do organismo. Entre os insectos, o soma é sexualmente definido num período muito precoce e não depende das gonadias. Entre os vertebrados, são essencialmente os hormónios provenientes das gonadias que desempenham um papel regulador». In Simone Beauvoir, O Segundo Sexo, volume 1, 1949, 2009 / 2015, Quetzal Editores, colecção Serpente Emplumada, ISBN 978-989-722-193-4.

Cortesia de Quetzal Editores/JDACT