«Vieste,
e fizeste bem. Eu esperava,
queimando
de amor; tu me trazes a paz».
Safo
«(…) A lírica eólica de Safo é
pura expressão do sentimento, inspirada na vida circundante e direccionada a um
determinado círculo de pessoas. A conexão viva da poesia de Safo, especialmente
nas canções nupciais e amorosas, com os anseios das jovens companheiras que se
agrupavam em torno dela adquire uma importante significação. Refere Jaeger que tudo
se passa como se o espírito grego precisasse de Safo para dar o último passo no
mundo da intimidade e do sentimento subjectivo. Os gregos deviam ter sentido
isso como algo de muito significativo quando, no dizer de Platão, honraram Safo
como a décima musa. Safo é singular, não há referência a outra mulher na sua
época que na arte tenha-se igualado a ela. É comum nos versos de Safo a
descrição de experiências íntimas com vivo realismo. Exemplo disso encontramos numa
canção composta por ocasião das bodas de uma de suas discípulas:
Basta-me ver-te e ficam mudos os
meus lábios, ata-se a minha língua, um fogo subtil corre sob a minha pele, tudo
escurece ante o meu olhar, zunem-me os ouvidos, escorre por mim o suor,
acometem-me tremores e fico mais pálida que a palha; dir-se-ia que estou morta.
Safo, por meio de uma linguagem
pessoal, confere sentimento profundo aos versos e consegue expressar uma forte
individualidade através da grande força do amor:
Alguns dizem que o que há de mais
belo na Terra é um esquadrão de cavalaria; outros, um exército de guerreiros
apeados; outros ainda, uma esquadra de navios; mas o mais belo é ser amado por
quem o coração suspira.
Essa linguagem viva de Safo é
geradora de linguagem. A partir da ideia de que Safo mantinha uma sociedade
feminina para as moças de Lesbos surge o emprego actual da palavra lésbica,
utilizada pela primeira vez em língua inglesa em 1890. André Lardinois em
artigo publicado por Bremmer na obra citada intitulado Safo lésbica e Safo de
Lesbos explica que o substantivo lesbianismo, relativo a homossexualismo
de mulheres é ligeiramente mais antigo. Nesse contexto, diz o pesquisador, que
o termo é utilizado com letra maiúscula para marcar o vínculo com a ilha de
Lesbos. As enciclopédias, de modo geral, registram o verbete lesbianismo
conforme se pode exemplificar com a reprodução do texto da Encyclopaedia Britannica do Brasil
homossexualismo feminino. O mesmo que safismo, pois tem origem no nome de
Safo, poetisa grega que liderava um grupo de mulheres que adoravam as musas e
Afrodite na ilha de Lesbos (Grécia). Essa Encyclopaedia remete ainda ao verbete Safo
e explica (século VII a. C.). Poetisa grega da ilha de Lesbos. De suas
preferências sexuais vêm as expressões lesbianismo e amor lésbico.
Afirma Lardinois que as
evidências são muito escassas para se atribuir de forma taxativa um
comportamento homossexual a Safo. Passa, o autor, a analisar alguns dados
relativos aos poemas de Safo que teriam dado margem a essa definição. Escolhe
os cantos sobre as jovens garotas, já que foi principalmente por causa deles que
surgiu a suposição de que Safo era lésbica. A poeta era respeitada na sua
comunidade, escrevia cantos nupciais que eram cantados pelas amigas da noiva.
Também faz referências, na sua poesia, a diversas garotas em diferentes
situações: aquelas que abandonavam a sociedade para se casarem, ou qualquer
outra que ainda permanecia no grupo em situações diversas. Afirma o investigador,
que nos versos estudados, não se encontram claras indicações de práticas
homossexuais. Há, contudo, que se analisar o facto de que não necessariamente,
se ela fosse homossexual, deixaria indícios relatados na sua poesia. A
descrição que apresenta das jovens como atraentes, até mesmo a seus olhos, pode
ser lida como um elogio justificável e necessário num canto nupcial.
Safo desenvolve nos poemas uma
visão cultural da mulher com a valorização do corpo feminino, na qual se
diferencia numa ordem prática do que é exposto pela sociedade masculina, no que
corresponde aos atributos idealizados, afirma José Roberto Paiva Gomes. Continua
o autor:
Vemos surgir, portanto, com a
narrativa de Safo, a mulher falando sobre o seu próprio universo e relacionando
a experiência do sujeito feminino. Os poemas representam uma excepção, ao
representar o quotidiano das mulheres e a sua relação com a sociedade e a
natureza. Desta forma, Safo narra e observa de uma maneira distinta as relações
sociais quando comparadas com as preocupações masculinas que foram priorizadas numa
perspectiva do colectivo e onde a família e a sociedade dos homens são os temas
principais».
In Zilma G. Nunes, As Mulheres de Lesbos
nas Mãos de Catulo, Prelúdio de uma
voz oculta, 2002, UFSC, Wikipedia.
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