Nitocris, a Primeira Mulher Consagrada
Faraó
Rodópis e
Cinderela
(…)
A bela Nitócris continuava a dar que falar para além dos factos históricos. Foi
confundida com uma certa Rodópis, a dama de tez rosada, mas houve várias
Rodópis que se confundiram um pouco na memória dos narradores orientais.
Pensemos na cortesã grega nascida em Naucratis, uma cidade do Delta. Apesar dos
seus costumes dissolutos, os gregos atribuíram-lhe a construção da pirâmide de
Miquerinos! Será idêntica à muito sedutora Rodópis pela qual se apaixonou o rei
Psamético, o qual teve uma filha chamada Nitócris, que foi sumo sacerdotisa do
deus Amon, em Tebas, onde levou uma vida austera? Como vemos, tudo se mistura e
se confunde, mas parece que os antigos admiraram muito os loiros cabelos de
Nitócris e Rodópis. Nitócris-Rodópis foi a vedeta de uma lenda que todos
conhecem, pelo menos em desenhos animados. Eis a sua versão egípcia: enquanto a
jovem se banhava no Nilo, um falcão (Hórus, protector da realeza) apoderou-se
de uma das suas sandálias, voou até à cidade de Mênfis, onde residia o faraó, e
deixou-a cair no colo do monarca; este, imaginando o delicado e maravilhoso pé
que as dimensões e a requintada confecção do objecto faziam supor, mandou então
procurar a sua proprietária por todo o país. A empresa foi coroada de sucesso e
os emissários do rei conduziram a bela jovem à corte; o rei apaixonou-se imediatamente
e desposou-a. Quando morreu, o modelo de Cinderela teve o insigne privilégio de
ser inumado numa pirâmide.
O fantasma de Nitócris
O planalto de Gize
sofreu muito nos últimos anos. A cidade moderna e a poluição agridem-no,
construções aberrantes ameaçam desfigurar a estação, o mágico cenário e a serenidade
de outrora parecem pertencer ao passado. No entanto, quem tivesse a ventura de
passear junto da pirâmide de Miquerinos ao poente, num dia ameno, poderia ver,
sob o louro dos derradeiros raios de sol, uma mulher nua e muito bela. É
Nitócris, ou, mais exactamente, o seu fantasma, a alma da pirâmide, encarregada
de guardar o monumento. Diz a tradição que quem ceder aos seus encantos
enlouquece; mas, se conhecermos o seu nome, se soubermos falar-lhe da idade
áurea, não estaremos, simplesmente enfeitiçados pela mulher faraó de cabelos
loiros e róseas faces?
Sebeq-neferu,
mulher faraó antes da tormenta
Venturas do Médio Egipto
Cerca
de 2060 a.C., o Egipto sai de uma longa crise. Durante duas dinastias, a décima
primeira e a décima segunda (de 2133 a 1785 a.C.), três linhagens de faraós, os
Mentuhotep, os Amenemhat e os Sesóstris, governaram um país novamente próspero
onde, infelizmente, a obra arquitectónica desapareceu por completo. Alguns
monumentos, desmontados com cuidado, foram utilizados como alicerces dos seus
próprios edifícios pelos reis do Novo Império. Podemos, no entanto, admirar a capela
branca de Sesóstris I, reconstruída pelo arquitecto francês Chevrier e exposta
em Carnaque no museu ao ar livre. Elegância da geometria, beleza do calcário,
delicadeza dos hieróglifos, perfeição das cenas esculpidas: tudo evoca a idade
clássica do Médio Império, inspiradora de grandes obras literárias como o Conto de Sinué, verdadeiro
romance de espionagem que narra a missão de um dignitário egípcio no
estrangeiro e o seu regresso ao redil. É verdade que já não constróem pirâmides
gigantes em pedra talhada como as do planalto de Gize, mas o símbolo não é
abandonado, ainda que os faraós desta época se contentem com pirâmides mais
modestas, algumas das quais construídas em grande parte com tijolo. Uma estação
como a de Licht, a sul do Cairo, manifesta porém uma grandeza sempre perceptível, apesar das destruições
infligidas aos conjuntos funerários de Sesóstris. Nos últimos anos tem-se
tentado demonstrar que o estatuto social e legal da mulher egípcia se havia
degradado um pouco durante o Médio Império, mas o estudo da documentação prova
que continuava a ser livre e autónoma, em conformidade com os princípios civilizadores
enunciados na primeira dinastia. O Médio Império conheceu três séculos e meio
de paz, que terminaram com o reinado de uma mulher faraó, Sebeq-Neferu». In
Christian Jacq, As Egípcias, Edições ASA, 2002, ISBN-978-972-413-062-0.
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