quarta-feira, 28 de agosto de 2019

As Egípcias. Christian Jacq. «O planalto de Gize sofreu muito nos últimos anos. A cidade moderna e a poluição agridem-no, construções aberrantes ameaçam desfigurar a estação, o mágico cenário e a serenidade de outrora…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Nitocris, a Primeira Mulher Consagrada Faraó
Rodópis e Cinderela
(…) A bela Nitócris continuava a dar que falar para além dos factos históricos. Foi confundida com uma certa Rodópis, a dama de tez rosada, mas houve várias Rodópis que se confundiram um pouco na memória dos narradores orientais. Pensemos na cortesã grega nascida em Naucratis, uma cidade do Delta. Apesar dos seus costumes dissolutos, os gregos atribuíram-lhe a construção da pirâmide de Miquerinos! Será idêntica à muito sedutora Rodópis pela qual se apaixonou o rei Psamético, o qual teve uma filha chamada Nitócris, que foi sumo sacerdotisa do deus Amon, em Tebas, onde levou uma vida austera? Como vemos, tudo se mistura e se confunde, mas parece que os antigos admiraram muito os loiros cabelos de Nitócris e Rodópis. Nitócris-Rodópis foi a vedeta de uma lenda que todos conhecem, pelo menos em desenhos animados. Eis a sua versão egípcia: enquanto a jovem se banhava no Nilo, um falcão (Hórus, protector da realeza) apoderou-se de uma das suas sandálias, voou até à cidade de Mênfis, onde residia o faraó, e deixou-a cair no colo do monarca; este, imaginando o delicado e maravilhoso pé que as dimensões e a requintada confecção do objecto faziam supor, mandou então procurar a sua proprietária por todo o país. A empresa foi coroada de sucesso e os emissários do rei conduziram a bela jovem à corte; o rei apaixonou-se imediatamente e desposou-a. Quando morreu, o modelo de Cinderela teve o insigne privilégio de ser inumado numa pirâmide.

O fantasma de Nitócris
O planalto de Gize sofreu muito nos últimos anos. A cidade moderna e a poluição agridem-no, construções aberrantes ameaçam desfigurar a estação, o mágico cenário e a serenidade de outrora parecem pertencer ao passado. No entanto, quem tivesse a ventura de passear junto da pirâmide de Miquerinos ao poente, num dia ameno, poderia ver, sob o louro dos derradeiros raios de sol, uma mulher nua e muito bela. É Nitócris, ou, mais exactamente, o seu fantasma, a alma da pirâmide, encarregada de guardar o monumento. Diz a tradição que quem ceder aos seus encantos enlouquece; mas, se conhecermos o seu nome, se soubermos falar-lhe da idade áurea, não estaremos, simplesmente enfeitiçados pela mulher faraó de cabelos loiros e róseas faces?


Sebeq-neferu, mulher faraó antes da tormenta
Venturas do Médio Egipto
Cerca de 2060 a.C., o Egipto sai de uma longa crise. Durante duas dinastias, a décima primeira e a décima segunda (de 2133 a 1785 a.C.), três linhagens de faraós, os Mentuhotep, os Amenemhat e os Sesóstris, governaram um país novamente próspero onde, infelizmente, a obra arquitectónica desapareceu por completo. Alguns monumentos, desmontados com cuidado, foram utilizados como alicerces dos seus próprios edifícios pelos reis do Novo Império. Podemos, no entanto, admirar a capela branca de Sesóstris I, reconstruída pelo arquitecto francês Chevrier e exposta em Carnaque no museu ao ar livre. Elegância da geometria, beleza do calcário, delicadeza dos hieróglifos, perfeição das cenas esculpidas: tudo evoca a idade clássica do Médio Império, inspiradora de grandes obras literárias como o Conto de Sinué, verdadeiro romance de espionagem que narra a missão de um dignitário egípcio no estrangeiro e o seu regresso ao redil. É verdade que já não constróem pirâmides gigantes em pedra talhada como as do planalto de Gize, mas o símbolo não é abandonado, ainda que os faraós desta época se contentem com pirâmides mais modestas, algumas das quais construídas em grande parte com tijolo. Uma estação como a de Licht, a sul do Cairo, manifesta porém uma grandeza sempre perceptível, apesar das destruições infligidas aos conjuntos funerários de Sesóstris. Nos últimos anos tem-se tentado demonstrar que o estatuto social e legal da mulher egípcia se havia degradado um pouco durante o Médio Império, mas o estudo da documentação prova que continuava a ser livre e autónoma, em conformidade com os princípios civilizadores enunciados na primeira dinastia. O Médio Império conheceu três séculos e meio de paz, que terminaram com o reinado de uma mulher faraó, Sebeq-Neferu». In Christian Jacq, As Egípcias, Edições ASA, 2002, ISBN-978-972-413-062-0.

Cortesia de EASA/JDACT