segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Destruição de Cartago. David Gibbins. «… que vinham de famílias patrícias, para quem as nomeações militares faziam parte do cursus honorum (a ordem de postos), a sequência de postos civis e militares…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«No segundo século antes de Cristo, Roma ainda era uma República, governada por patrícios cujas famílias tinham ancestrais nos primeiros tempos da cidade, cerca de seiscentos anos antes. A República foi formada quando do destronamento de um rei de Roma em 509 a.C. e sobreviveu até ao estabelecimento do Império de Augusto, perto do final do século I a.C. O principal corpo governamental era o Senado, liderado por dois cônsules eleitos anualmente. Fora do Senado, havia doze tribunos eleitos, representantes do povo comum (a plebs), que tinha poder de veto sobre o Senado. As alianças e rivalidades complexas entre as famílias patrícias (as gentes, singular gens), bem como entre os patrícios e a plebe, são fundamentais para compreendermos a história de Roma nesse período, uma época em que a conquista além-mar conferia uma visão tentadora de poder pessoal a generais que por fim levaram à guerra civil no século I a.C. e a Otaviano proclamando-se Augusto. O porquê de um império não ter sido estabelecido mais de um século antes, quando os exércitos de Roma eram supremos e o seu general de maior destaque, Cipião Emiliano Africano, tinha o mundo a seus pés, é uma das perguntas mais fascinantes da antiguidade e pano de fundo da história neste romance.
O exército romano desse período ainda não era uma força profissional; as legiões eram convocadas entre os cidadãos de Roma em resposta a determinadas crises. O exército só viria a assumir feições profissionais em épocas de guerra prolongada, quando ficariam patentes as vantagens de manter um exército de prontidão. Ao longo de todo o século II a.C., período deste romance, havia tensão entre aqueles que temiam que o desenvolvimento de um exército profissional pudesse levar a uma ditadura militar e os que viam nisso uma necessidade, caso Roma viesse a ter o seu lugar em cena no mundo. Venceu, por fim, este último, levando às reformas militares realizadas pelo cônsul Mário em 107 a.C. e à criação das primeiras legiões permanentes.
Na época deste romance, os títulos familiares de legiões do período do Império, como Legio XX Valeria Victrix, ainda não existiam; as legiões criadas para campanhas específicas e dispersadas depois delas podiam ter um número, mas isso não levava a sua identidade adiante. A principal formação numa legião era o manípulo, unidade descartada por Mário em favor da força armada, menor. O manípulo podia ser comparado à ala de regimento britânico vitoriano, uma formação com cerca de metade do tamanho de um batalhão de infantaria moderno que era de posicionamento mais rápido e mais manobrável em batalha. A unidade principal dentro do manípulo era a centúria, o equivalente aproximado de uma companhia de infantaria moderna. Tradicionalmente, os homens de uma legião eram classificados pelas suas posses e a sua idade, que iam dos vélites (batedores), mais pobres, passando pelos hastatis e principes, até os mais abonados triarii, com cada categoria correspondendo ao aumento da qualidade das armaduras e dos equipamentos, assim como às posições na linha de batalha que normalmente eram mais expostas e perigosas para os mais pobres e para tropas menos equipadas.
As centúrias eram comandadas pelos centuriões, homens que ascendiam nas classificações com base na aptidão e na experiência. Tinham a responsabilidade similar à de um capitão de infantaria dos tempos modernos, mas são mais bem descritos como oficiais não comissionados. O primipilo (da primeira classe) era o centurião mais antigo de uma legião, equivalente a um sargento-mor de regimento. Outra classificação frequente era a optio, uma classe subordinada aos centuriões com responsabilidades similares às de um tenente, porém mais bem descritos como um sargento ou cabo. Havia um amplo abismo social entre esses homens e os oficiais mais graduados da legião, que vinham de famílias patrícias, para quem as nomeações militares faziam parte do cursus honorum (a ordem de postos), a sequência de postos civis e militares que um homem romano rico esperaria obter ao longo da sua vida.
Os oficiais de patente mediana de uma legião eram os tribunos militares, jovens em início de carreira ou homens mais velhos que se haviam apresentado como voluntários em épocas de crise para servir ao exército, porém ainda não estavam em processo de cursus honorum, no qual poderiam comandar uma legião. Esse papel cabia ao legado, o equivalente de um coronel ou brigadeiro, que podia comandar vários milhares de homens em campo, inclusive a cavalaria incorporada e as forças aliadas. Não existia a patente de general porque os exércitos eram comandados por um pretor, o segundo cargo civil mais alto de Roma, ou por um dos cônsules. A competência de um comandante de exército era portanto questão de sorte, uma vez que a bravura militar não era necessariamente um pré-requisito para o mais alto posto civil; a capacidade de um comandante militar podia depender das oportunidades de serviço activo anteriores na sua carreira. Contudo, com a guerra iminente, um homem podia ser eleito ao consulado com base na sua reputação militar, e a lei que restringia a posse repetida de cargo era temporariamente suspensa, permitindo a reeleição de um homem que havia provado ser um general capaz». In David Gibbins, Destruição de Cartago, Editora Record, 2013, ISBN 978-850-110-121-1.

Cortesia de ERecord/JDACT