terça-feira, 27 de agosto de 2019

Destruição de Cartago. David Gibbins. «A história das Guerras Púnicas tem imensa ressonância hoje, com algumas lições que foram bem aprendidas e outras, nem tanto. A decisão de deixar Cartago incólume ao final da Segunda Guerra Púnica»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Esse sistema funcionou muito bem, permitindo a Roma os seus sucessos militares no século II a.C.; no entanto os veteranos tinham aguda consciência das suas deficiências, inclusive a ausência de treinamento formal na guerra para os jovens antes de serem nomeados tribunos e enviados para campo. Igualmente premente era a ausência de continuidade entre os legionários, já que eram dispensados depois das campanhas e muito conhecimento acumulado se perdia nos intervalos entre as guerras. Quando voltava o chamado às armas, os homens podiam responder não tanto por orgulho profissional ou pela glória da guerra, mas pela oportunidade de obter recompensas, uma atracção cada vez maior com as guerras de conquista na Grécia e no Oriente, que levaram muita riqueza visível a Roma nesse período.
Na época deste romance, Roma estava envolvida em duas grandes guerras de conquista: uma contra os reinos da Macedónia e da Grécia, que cresceram com o império de Alexandre, o Grande, e a outra contra o povo do Norte de África, que os romanos chamavam de púnicos, termo para os descendentes de navegantes fenícios da região do actual Líbano que fundaram a cidade de Cartago cerca de setecentos anos antes. Roma travou três guerras contra Cartago, em 264-261 a.C., 218-201 a.C. e 149-146 a.C., tomando progressivamente territórios cartagineses de além-mar na Sardenha, Sicília e Espanha, até que lhe restou pouco mais do que o seu território interior na actual Tunísia, cercado pelos aliados númidas de Roma.
A Segunda Guerra Púnica, quando o general cartaginês Aníbal marchou com seus elefantes pela Espanha e atravessou os Alpes em direcção a Roma, é talvez a mais famosa dessas campanhas; entretanto, como deixou Cartago intacta, é na realidade apenas o cenário criado para um dos eventos mais arrasadores da história antiga, cerca de cinquenta anos depois, quando Roma finalmente tomou a decisão de destruir inteiramente o seu inimigo. Na época do último assalto à cidade, em 146 a.C., e em Corinto na Grécia no mesmo ano, Roma estava pronta para dominar o mundo antigo, atrasada apenas por uma constituição que havia sido criada para administrar uma cidade-estado e não um império. Para os aficionados por jogos de guerra, esse período é um dos mais fascinantes da Antiguidade, uma época em que pequenas mudanças poderiam ter alterado o curso da história, e quando todos os factores de uma campanha militar entraram incisivamente em jogo: o pano de fundo político, as rivalidades e alianças entre os patrícios gentes de Roma, os problemas de abastecimento e manutenção de exércitos no além-mar, a evolução de tácticas de batalha em terra e no mar e, sobretudo, as personalidades e ambições de alguns dos indivíduos mais poderosos da história, num período que é apenas conhecido imperfeitamente a partir de fontes antigas e que portanto deixa muito espaço para especulações e jogabilidades.
A história das Guerras Púnicas tem imensa ressonância hoje, com algumas lições que foram bem aprendidas e outras, nem tanto. A decisão de deixar Cartago incólume ao final da Segunda Guerra Púnica pode ser comparada à decisão dos Aliados de não conquistar a Alemanha e em vez disso aceitar uma trégua ao final da Primeira Guerra Mundial, ou à decisão da coligação liderada pelos americanos de interromper a invasão do Iraque ao final da Guerra do Golfo em 1991; em ambos os casos, a disposição de se refrear levou a uma guerra ainda mais custosa e devastadora anos depois. A arqueologia revelou que, apesar da derrota de Aníbal, Cartago reconstruiu o seu porto de guerra sem ser estorvada por Roma, assim como os Aliados colocaram-se de lado enquanto Hitler reconstruía a marinha e a força aérea alemãs na década de 1930. De muitas maneiras, as Guerras Púnicas foram a primeira guerra mundial de facto, a primeira guerra total, envolvendo mais da metade do mundo antigo e com repercussões muito além do Mediterrâneo Ocidental. Assim como as guerras mundiais do século passado ou a actual guerra global contra o terrorismo, a principal lição da história talvez seja a de que uma guerra nessa escala deixa pouco espaço para concessões ou a conciliação. Guerra total significa apenas isto: guerra total». In David Gibbins, Destruição de Cartago, Editora Record, 2013, ISBN 978-850-110-121-1.

Cortesia de ERecord/JDACT