quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Poesia. Inês Lourenço. «Abro e folheio o grosso volume da última Poesia Toda, a encantar incautos, a palavra toda…»


Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
Faz-me frio este Outono
Faz-me frio este Outono,
a boiar sobre o corpo,
a poesia sem ancas,
a música passada
por ovo e pão ralado, faz-me
frio este fender castanho
este horizonte ao espelho,
faz-me frio o esmalte descascado
a tapar o interior
revelho»
In Inês Lourenço, Cicatriz 100%

Litania para um limoeiro urbano
«Para mover o céu e os alicerces, partir
velhos caixilhos e cantarias, chega o último
dos morados. Cumprido o tempo das
polpas douradas, o estio das crianças ficará
ainda algum tempo nos retratos
sépia, com hidrângeas e bicicletas, expulso
para sempre o cio dos gatos e o impudor
dos ramos nas florações precoces»

Mural
«A glande macia do pincel molhando o flanco
do doce cimo longe da lonjura,
os olhos e as narinas como asas
do mais belo rosa húmido da vulva,
seios da gemeralidade
da geometria láctea das fontes
e a chuva escorrendo da boca
com os líquenes da permanência».

Madalena
«Tranças de gerânios deslaçados
sopro da flauta de lódão,
benzido sémen nácar
pela tua boca
néctar».

Poesia Toda
«Abro e folheio
o grosso volume da última
Poesia Toda, a encantar
incautos, a palavra toda
enche-nos a boca, pronuncia-se
voraz e fatalmente, como
quem anseia possuir o ar»

In Cidália Dinis, Corpo Refectido, Inês Lourenço, Revista da Faculdade de Letras, Línguas e Literaturas, II Série, Volume XXIII, Porto, 2006, [2008], Wikipedia.

Cortesia de RFLPorto/JDACT