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destas cidades restará o vento que as atravessa… In Bertolt Brecht
Parma.
1248
«(…) Levantou-se e prosseguiu com
mais cuidado, observando atentamente aquela fartura de equipamentos de guerra.
As espadas do exército imperial, forjadas na Alemanha, eram famosas como as
mais resistentes da Europa, e uma daquelas armas lhe seria vantajosa: se a
revendesse na sua oficina, poderia obter um lucro notável. Avançou mais.
Estendido numa saliência do terreno jazia o cadáver decapitado de um homem. O
elmo, do qual se projetavam ossos e cartilagens sanguinolentas, havia rolado
até um pouco adiante. O armeiro se aproximou e, com gestos experientes, desatou
as tiras de couro do fecho. O elmo se abriu e a cabeça cortada deslizou para
fora, caindo no chão com um baque surdo. Sem dar importância a isso, o armeiro
avaliou a consistência do capacete, girou-o entre as mãos e examinou-o por
todos os lados. Era de feitura caprichada e apresentava apenas uma pequena mossa:
à excepção de uma longa estria de sangue que lhe percorria a base, toda a superfície
do metal brilhava como prata polida. Segurando-o em baixo do braço dobrado,
voltou para perto do cadáver. Do cinto que apertava a cota de malhas de ferro
pendia a bainha vazia, e a mão do morto ainda segurava a espada. O armeiro a extraiu
à força daqueles dedos enrijecidos e levantou-a: era pesada, e a lâmina, coberta
de sangue seco, terminava em ponta arredondada. Observando-a melhor, ele notou
que, em relevo sobre a empunhadura, corria um friso com motivos de folhas, em
cujo interior estava gravado hoffnung: embora não fizesse ideia sobre o
que podia significar aquela palavra, bem sabia que muitas vezes os cavaleiros a
serviço do imperador mandavam gravar nas suas armas as insígnias da própria
linhagem. Se o corpo daquele combatente tivesse pertencido a um aristocrata,
como ele supunha, em algum lugar devia se encontrar também um escudo igualmente
precioso.
Apertando ao peito o elmo e a espada,
o armeiro voltou-se e recuou alguns passos: ali, a poucos pés de distância, abandonado
sobre o terreno ensanguentado e semicoberto pelas placas de ferro da armadura
de outro soldado abatido, encontrou-o. Inclinou-se para examiná-lo: uma cruz de
bronze trabalhada em repuxado ocupava toda a parte central, enquanto nas bordas
estava cinzelada a ouro a mesma palavra que ornava o punho da espada
recém-roubada. Já certo de ter encontrado o seu butim, meteu a mão livre
sob o escudo, agarrou as correias e, usando a espada como alavanca, começou a
puxá-lo para si. A armadura que revestia o morto era pesada e o armeiro, embora
tivesse músculos robustecidos por anos de trabalho, só conseguiu extrair o
clípeo na quinta tentativa. Levantou-o e, pendurando-o às costas, caminhou rumo
à saída do acampamento. Estava satisfeito. A venda daquelas três peças, depois
de limpas e devidamente polidas, iria proporcionar-lhe uma bela soma, a qual,
acrescida ao prémio prometido por quem o encarregara do furto, poderia garantir-lhe
um pequeno capital, justamente aquele de que necessitava para retomar sua actividade,
que aqueles longos meses de assédio haviam arruinado.
Tinha quase chegado à porta sul
do acampamento quando a sua atenção foi atraída por uma aglomeração de pessoas,
da qual provinham gritos e gargalhadas espalhafatosas. Aproximou-se.
No centro do grupo que o
circundava, um homem estava encolhido sobre um rudimentar assento de palha. As
mangas de tecido azul do seu manto estavam arregaçadas até aos ombros e
revelavam um precioso forro de peliça. Os braços nus, abandonados ao longo dos
flancos, pendiam inertes sobre o terreno e gotejavam sangue. As mãos, amputadas
à altura dos pulsos, jaziam aos seus pés. O rosto do homem estava cinzento e os
olhos aterrorizados corriam de um a outro dos seus algozes: a mandíbula,
despencada como a de um cadáver, escancarava-lhe a boca numa careta obtusa. E
agora, Taddeo? Sem mãos, como fará para escrever ainda os documentos do seu
patrão? As palavras zombeteiras saídas da boca do popular que as pronunciara
foram seguidas por outras risadas e por uma chuva de cusparadas. O prisioneiro
se prostrou e desmaiou. Oh, gente, será que já morreu, hem?!, perguntou,
preocupada, uma voz feminina. Claro que não, não vê que está respirando?,
respondeu alguém ao lado dela. Mas é melhor que o levemos logo para a cidade:
todos devem vê-lo, antes que estique as canelas!
Depois
de embrulhá-lo no próprio manto, colocaram-no sobre uma carroça: uma mulher
recolheu do solo as mãos amputadas e jogou-as sobre o corpo. Depois, enquanto o
homem mais robusto do grupo empurrava o veículo, todos juntos se encaminharam
para a saída do campo. O armeiro os seguiu. Um esgar satisfeito lhe estirava os
lábios. Quando, na véspera, haviam tomado a decisão de tentar o assalto ao
acampamento que Frederico chamara pomposamente de Vitória, ninguém em Parma
poderia esperar tão grande sucesso: dezenas de soldados mortos, grande número
de prisioneiros e até a captura de Taddeo Sessa, um dos mais influentes
conselheiros do imperador. E para ele, além disso, aquele butim
inesperado, que finalmente o enriqueceria... De repente, um coro raivoso de
rugidos encheu o ar. O armeiro voltou-se. Alguém havia ateado fogo à palha que
recobria o terreno do cercado de animais e as chamas começavam a subir, tão
altas que podiam ser vistas até de longe. Considerando que nem mesmo aquelas
feras inúteis se salvariam, ele apressou o passo rumo ao fosso que separava a área
do campo e os muros da cidade». In Valeria Montaldi, O Manuscrito do
Imperador, 2008, Grupo Editorial Record, 2011, ISBN 978-850-108-703-4.
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