segunda-feira, 5 de agosto de 2019

O Concelho de Lisboa durante a Idade Média. Homens e Organização Municipal (1179-1383). Miguel Gomes Martins. «… et almotazaria sit de concilio et mittatur almotaze per alcaidem et per concilium ville. Este concilium era um órgão restrito onde se encontrava representada…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«A realização de alguns estudos, por um lado, sobre diversas figuras e famílias da cidade de Lisboa e, por outro, acerca da composição social e organização de algumas das suas instituições monástico-conventuais e colegiadas, mas também do cabido da Sé ou da alcaidaria da cidade, muitos dos quais com uma importante componente prosopográfica, tem permitido a recolha de elementos preciosos, embora, ainda insuficientes, para a elaboração de uma imagem de conjunto das elites da Lisboa Medieval. No entanto, parece-nos que estamos a trilhar o caminho correcto, sendo já possível, graças a estes trabalhos, reconstituir vários percursos biográficos e identificar algumas das linhagens que, através dos seus membros mais destacados, se fizeram representar nos vários universos de prestígio da Lisboa Medieval, nomeadamente nos órgãos concelhios da cidade, ponto de partida, mas também de convergência, dos trajectos de muitas dessas figuras.
Ainda que a Lisboa Medieval tenha sido, nos anos recentes, objecto da atenção de um número crescente de investigadores, o estudo da administração municipal lisboeta, pelo contrário, não tem suscitado o interesse da comunidade científica. Em consequência, a imagem que hoje temos da organização concelhia lisboeta continua ainda profundamente marcada pelos estudos clássicos de Marcelo Caetano e de Maria Teresa Campos Rodrigues e que permanecem tão actuais como na altura da sua publicação, em 1951 e 1968, respectivamente. Nesse sentido, com este trabalho procuraremos conhecer um pouco melhor os homens que davam corpo ao concelho lisboeta, identificando personagens e os seus trajectos no seio desta instituição e, ao mesmo tempo, articular os dados coligidos com uma análise da estrutura orgânica e funcionamento dos órgãos municipais, entre 1179, data da outorga de foral à cidade, e 1383, ano da morte do rei Fernando I.
Para isso a nossa pesquisa incidiu, sobretudo, na documentação do Arquivo Municipal de Lisboa-Arquivo Histórico (AML-AH). Mas se, por um lado, os dados recolhidos neste acervo permitiram compreender, ainda que com inúmeras lacunas, a organização concelhia lisboeta, por outro, revelaram-se manifestamente insatisfatórios para uma reconstituição, que se pretendia tão detalhada quanto possível, dos elencos municipais. Tornava-se, por isso, absolutamente necessário recorrer a outros conjuntos documentais relativos a Lisboa, nomeadamente a alguns dos fundos provenientes de instituições monástico-conventuais, que se encontram à guarda do Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (IAN/TT). No entanto, o levantamento que efectuámos nesta documentação recaíu, ainda que nem sempre de forma exaustiva, apenas nos fundos de maior dimensão e onde, à partida, se encontraria um maior número de informações. Nesse sentido, temos plena consciência que este trabalho não é mais que uma primeira tentativa de abordagem de um tema, até agora, praticamente inexplorado e que deixa ainda muito por desvendar. As pistas ficam, no entanto lançadas.
Mas o resultado que agora se apresenta, é também fruto das referências e indicações que, gentilmente, nos foram transmitidas pelos colegas e amigos Mestres Isabel Branquinho, Maria Filomena Andrade, João Luís Inglês Fontes, José Augusto Oliveira, Luís Filipe Oliveira, Luís Miguel Rêpas e, sobretudo Mário Sérgio Farelo, a quem, mais uma vez, muito agradecemos. Por isso, este trabalho é, também, deles.

O Concelho e os homens-bons
As primeiras referências às instituições municipais de Lisboa, surgem expressas, ainda que de forma lacónica, no foral de 1179, concedido à cidade por Afonso Henriques: et almotazaria sit de concilio et mittatur almotaze per alcaidem et per concilium ville. Este concilium era um órgão restrito onde se encontrava representada, exclusivamente, a aristocracia dos homens-bons que, em assembleia, decidia os destinos da cidade e, anualmente, escolhia os magistrados concelhios. Além de actuar como tribunal para resolver as contendas entre os vizinhos, esta assembleia ocupava-se de todas as questões que dissessem respeito à cidade e aos seus moradores, tais como a gestão das águas e dos pastos comuns, para além de outras matérias que podiam ir do urbanismo aos assuntos económicos. De acordo com Gérard Pradalié, o título de bonus homo terá sido, durante largos anos um apanágio dos cavaleiros (trata-se, em princípio, de cavaleiros não-nobres, cavaleiros-vilãos, isto é, dos estratos superiores do grupo a que genericamente chamamos povo; este autor aventa mesmo a hipótese de, no século XII, cavaleiros e bonishomines serem sinónimos, de certa forma, à semelhança do que sugere José Mattoso: acumulação de indícios acerca da superioridade social dos cavaleiros no âmbito do concelho leva a admitir como normal a vigência de um costume tacitamente aceite de reservar para eles as magistraturas (José Mattoso); todavia, não deixa de ser possível que alguns desses cavaleiros fizessem parte dos estratos inferiores da nobreza, pois não chegaram até nós quaisquer indicações que apontem para o afastamento dos nobres da gestão concelhia; pelo contrário, as informações que possuímos, ainda que datem de períodos posteriores, apontam para uma presença nos órgãos municipais de figuras de clara extracção nobre), indivíduos cuja fortuna, que assentava essencialmente em bens fundiários, obrigava, a partir de um limite que para o caso de Lisboa não é conhecido, à posse de cavalo e de armas». In Miguel Gomes Martins, O Concelho de Lisboa durante a Idade Média, Homens e Organização Municipal (1179-1383), Cadernos do Arquivo Municipal de Lisboa, 1ª Série, nº 7.

Cortesia de AMLisboa/JDACT