segunda-feira, 12 de agosto de 2019

O Conto Literário de Temática Açoriana. Mónica Maria S. Cabral. «Os textos literários publicados nos periódicos pertencem quer ao campo da poesia, de dimensão lírica ou satírica, quer ao da prosa narrativa, em que o folhetim ocupa um lugar de relevância»

Cortesia de wikipedia e jdact

Com a devida vénia a Mónica Maria Cabral

A Ilha. O Mar. A Emigração
Os primeiros sinais de vitalidade temática
«(…) Segundo Urbano Bettencourt, o movimento cultural da Horta é inseparável da pujança que o jornalismo aí conhece no período em questão e […] uma forte consciência do papel da imprensa como veículo de comunicação acaba por contagiar a escrita literária que, assim, se torna fundamentalmente uma escrita-para-a-imprensa. As contínuas gerações de prosadores desenvolvem sempre actividade grupal, sobretudo através da imprensa, muito rica de colaborações literárias. Todos os periódicos da Horta, desde O Faialense (1851), O Incentivo (1857) e O Açoriano (1883), este, sim, impulsionador de uma notória dinâmica literária e cultural ligada ao quotidiano insular, marcam pelo lugar de destaque dado à cultura e às artes, oferecendo traduções de ficcionistas ingleses, franceses e italianos. Nas últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX, há sempre pequenas revistas ou jornais e almanaques literários, correspondentes a círculos de afinidade, que mostram estar a par de tudo o que se passa na Europa culta. Mais do que meio de entretenimento, a imprensa assume-se como um elemento formativo, contribuindo para a educação cívica e estética do leitor, e como um veículo de contacto directo entre o autor e os seus leitores (este processo de comunicação envolve uma série de gestos que passam pela divulgação de textos exógenos, de proveniência linguística estrangeira ou não, pelo discurso avaliativo e crítico que ajuda a estabelecer as coordenadas de um sistema, a enquadrar e a compreender a rede de conexões que no seu interior se estabelecem; esse processo de comunicação passa igualmente, e em idêntico grau de importância, pela criação literária própria, que atesta a relação de proximidade de um autor com o seu espaço e tempo imediatos e intensifica o grau de cumplicidade entre autor e leitor. Deste modo, o jornal tornou-se o mais curto caminho para a comunicação, e correspondia a uma necessidade de estabelecer contacto com o público). Esta escrita-para-a-imprensa revela, no entanto, um carácter precário e fragmentário, visto a obra dos escritores ficar dispersa por vários jornais e, consequentemente, mais sujeita a um rápido esquecimento, situação que só a edição em livro poderia evitar. Dado o consumo restrito e a fraca actividade editorial, grande parte do material disperso conhece a publicação em livro só muito mais tarde.
Os textos literários publicados nos periódicos pertencem quer ao campo da poesia, de dimensão lírica ou satírica, quer ao da prosa narrativa, em que o folhetim ocupa um lugar de relevância. Todavia, caberia à narrativa, em especial ao conto, um género cultivado preferencialmente, essa missão de ocupar-se mais demorada e extensivamente do mundo insular e da complexidade das suas relações humanas e em contexto social, por permitir uma representação mais concreta e objectiva da realidade circundante. Assim, encontramos contos que reflectem a vida rústica das gentes do mar e da terra, dos caçadores de baleias e dos emigrantes, intimamente ligados ao universo físico e social das ilhas, em particular do Faial e do Pico. Como se vê, estes textos já nos permitem detectar a trilogia temática que atravessará toda a literatura açoriana: terra, mar e emigração. Como referimos, o final do século XIX foi muito importante para o desenvolvimento da narrativa açoriana, que, principalmente a partir desta altura, combina o lado artístico e estético com a expressão do local e do regional. Deste modo, começa a impor-se, no panorama cultural açoriano, uma escrita artística, que revela a preocupação dos autores em explorar as virtualidades estéticas e polissémicas do texto literário e que é, ao mesmo tempo, uma escrita enraizada, ligada ao espaço dos próprios escritores e que serve a expressão da condição insular. Fazem parte desta geração Ernesto Rebelo, Manuel Zerbone, Florêncio Terra, Rodrigo Guerra, António Baptista e Nunes Rosa, nascidos entre 1842 e 1871. A escrita é marcada pela influência da época, em especial do neogarrettismo, devido à presença, nos contos, de espaços nacionais imediatos e à atenção dada às pequenas coisas do quotidiano próximo. Garrett defendeu a valorização do património popular, recolhendo testemunhos, compilando-os e utilizando-os como matéria-prima da sua produção literária, em especial de Viagens na Minha Terra, onde o escritor descreve paisagens, monumentos e trata inúmeros aspectos relacionados com a terra e a sua gente. Nessa geração, encontramos ainda a influência do conto rústico, de que Trindade Coelho é, sem dúvida, o maior representante na literatura portuguesa. Este tipo de conto, que, normalmente, assume a forma de narrativa curta com pouca conflitualidade, apresenta uma visão idílica do campo e a exaltação de valores como a simplicidade, a naturalidade e a autenticidade [(segundo Urbano Bettencourt, é fácil ver como esta representação utópica da vida no campo e das suas virtudes traduz a hipertrofia de um dos pólos da oposição homem natural / homem social que, entroncando em Rousseau, atravessa o Romantismo e aqui se projecta como a exaltação de tudo quanto de puro e instintivo possa subsistir no homem. Este realismo sadio ou naturalismo purificado, Camilo Castelo Branco, tem como modelo preferencial Os Meus Amores (1891), de Trindade Coelho, que não surgem, obviamente, em terreno virgem e encontram antecedentes nos contos de Rodrigo Paganino, O Tio Joaquim (1861)]». In Mónica Maria S. Cabral, O Conto Literário de Temática Açoriana, A Ilha, O Mar, A Emigração, Universidade de Aveiro, Departamento de Línguas e Culturas, Tese de Doutoramento, POPH/FSE, FCT, 2010, Wikipedia.

Cortesia de POPH/FSE/FCT/JDACT