sexta-feira, 23 de agosto de 2019

O Mistério das Catedrais. Interpretação Esotérica. Fulcanelli. «Chegados perto do eixo médio do majestoso edifício, no ângulo reentrante da torre setentrional, encontrareis, no meio do cortejo de quimeras, o impressionante relevo de um grande velho de pedra»


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Paris
«(…) Por outro lado a Bíblia ensina-nos que Maria, mãe de Jesus, era descendente de Jessé. Ora a palavra hebraica Jes significa o fogo, o sol, a divindade. Descender de Jessé é então ser da raça do sol, do fogo. Como a matéria tem a sua origem no fogo solar, como acabamos de ver, o próprio nome de Jesus aparece-nos no seu esplendor original e celeste: fogo, sol, Deus.
Enfim, na Ave Regina, a Virgem é chamada propriamente Raiz (Salve, radix) para marcar que ela é o princípio e o começo de Tudo. Salve, raiz, pela qual a Luz brilhou sobre o mundo. Estas são as reflexões sugeridas pelo expressivo baixo-relevo que acolhe o visitante sob o pórtico da basílica. A Filosofia hermética, a velha Espagíria desejam-lhe as boas-vindas na igreja gótica, o templo alquímico por excelência. Porque toda a catedral é apenas uma glorificação muda mas figurada da antiga ciência de Hermes, de que soube, aliás, conservar um dos antigos artesãos. Notre-Dame de Paris conserva efectivamente o seu alquimista. Se, levados pela curiosidade, ou para entreter o ócio de um dia de Verão, subirdes a escada helicoidal que dá acesso às partes altas do edifício, percorrei devagar o caminho, escavado como um rego, no cimo da segunda galeria. Chegados perto do eixo médio do majestoso edifício, no ângulo reentrante da torre setentrional, encontrareis, no meio do cortejo de quimeras, o impressionante relevo de um grande velho de pedra. É ele, é o alquimista de Notre-Dame.
Coberto com um barrete frígio, atributo do Adeptado (o barrete frígio, que era usado pelos sans-culottes e constituía uma espécie de talismã protector no meio das hecatombes revolucionárias, era o sinal distintivo dos Iniciados; na análise que faz de uma obra de Lombard, de Langres, intitulada Histoire des Jacobins, depuis 1789 jusqu'à ce jour, ou État de l’Europe en Novembre 1820, o sábio Pierre Dujols escreve que no grau de Epopta, nos Mistérios de Elêusis perguntava-se ao recipiendário se sentia a força, a vontade e a abnegação necessárias para meter mãos à grande obra. Então colocavam-lhe um barrete vermelho na cabeça, pronunciando esta fórmula: cobre-te com este barrete, ele vale mais do que a coroa de um rei; estava-se longe de suspeitar que esta espécie de chapéu, chamado Libéria nas Mitríacas, e que distinguia outrora os escravos libertos, fosse um símbolo maçónico e o atributo supremo da Iniciação. Não devemos, portanto, admirar-nos de encontrá-lo representado nas nossas moedas e nos nossos monumentos públicos), negligentemente colocado sobre a cabeleira de caracóis espessos, o sábio, envergando a leve capa do laboratório, apoia com uma mão sobre a balaustrada, enquanto com a outra acaricia a sua barba abundante e sedosa. Não medita, observa. Os olhos estão fixos, o olhar tem urna estranha acuidade. Tudo na atitude do Filósofo revela extrema emoção. A curvatura dos ombros, a projecção para a frente da cabeça e do busto traindo, com efeito, a maior surpresa. Na verdade, esta mão petrificada anima-se. Será ilusão? Dir-se-ia que a vemos tremer... Que esplêndida figura a do velho mestre que perscruta, interroga, ansioso e atento, a evolução da vida mineral, depois contempla, enfim, deslumbrado, o prodígio que somente a sua fé lhe deixava entrever! E como são pobres as estátuas modernas dos nossos sábios, quer fundidas em bronze, quer talhadas no mármore, em confronto com esta imagem venerável de um realismo tão poderoso na sua simplicidade!

O estilóbato da fachada, que se desenvolve e se estende sob os três pórticos, é inteiramente consagrado à nossa ciência; e é um verdadeiro regalo para os decifradores de enigmas herméticos este conjunto de imagens tão curiosas como instrutivas. Ali vamos encontrar o nome lapidar do tema dos Sábios; ali assistiremos à elaboração do dissolvente secreto; ali seguiremos, a par e passo, o trabalho do Elixir, desde a sua primeira calcinação até à sua última cozedura. Mas, a fim de conservar um método neste estudo, observaremos sempre a ordem de sucessão das figuras, indo do exterior para os batentes dos pórticos, tal como faria um crente que entrasse no santuário. Nas faces laterais dos contrafortes que limitam o grande portal encontraremos, à altura dos olhos, dois pequenos baixos-relevos embutidos cada um numa ogiva. O do pilar esquerdo apresenta-nos o alquimista descobrindo a Fonte misteriosa, que o Trevisano descreve na Parábola final do seu livro acerca da Filosofia natural dos metais. O artista caminhou durante muito tempo: errou pelas vias falsas e pelos caminhos duvidosos; mas a sua alegria explode finalmente! O ribeiro de água viva corre a seus pés; sai aos borbotões do velho carvalho oco. O nosso Adepto atingiu o alvo. E assim, desdenhando o arco e as flechas com que, a exemplo de Cadmo, trespassou o dragão, vê ondular o límpido caudal cuja virtude dissolvente e a essência volátil lhe são confirmadas por um pássaro pousado na árvore». In Fulcanelli, 1926, Le Mystère des Cathédrales, 1964, O Mistério das Catedrais, Interpretação Esotérica dos símbolos herméticos, Edições 70, 1975, Lisboa, Colecção Esfinge.

Cortesia de E70/JDACT