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O
Guardador de Rebanhos
«(…)
Esta tarde a trovoada caiu
Pelas
encostas do céu abaixo
Como
um pedregulho enorme...
Como
alguém que duma janela alta
Sacode uma
toalha de mesa,
E as
migalhas, por caírem todas juntas,
Fazem
algum barulho ao cair,
A chuva
chovia do céu
E
enegreceu os caminhos...
Quando os
relâmpagos sacudiam o ar
E abanavam
o espaço
Como uma
grande cabeça que diz que não,
Não sei
porquê, eu não tinha medo,
Pus-me a
rezar a Santa Bárbara
Como se eu
fosse a velha tia de alguém...
Ah! É que
rezando a Santa Bárbara
Eu
sentia-me ainda mais simples
Do que
julgo que sou...
Sentia-me
familiar e caseiro
E
tendo passado a vida
Tranquilamente,
como o muro do quintal;
Tendo
ideias e sentimentos por os ter
Como uma
flor tem perfume e cor...
Sentia-me
alguém que possa acreditar em Santa Bárbara...
Ah, poder
crer em Santa Bárbara!
(Quem crê
que há Santa Bárbara,
Julgará
que ela é gente e visível
Ou que
julgará dela?)
(Que
artifício! Que sabem
As flores,
as árvores, os rebanhos,
De Santa
Bárbara?... Um ramo de árvore,
Se
pensasse, nunca podia
Construir
santos nem anjos...
Poderia
julgar que o sol
É Deus, e
que a trovoada
É uma
quantidade de gente
Zangada
por cima de nós...
Ali, como
os mais simples dos homens
São
doentes e confusos e estúpidos
Ao pé da
clara simplicidade
E saúde em
existir
Das
árvores e das plantas!)
E eu,
pensando em tudo isto,
Fiquei
outra vez menos feliz...
Fiquei
sombrio e adoecido e soturno
Como um
dia em que todo o dia a trovoada ameaça
E
nem sequer de noite chega».
In Alberto Caeiro, Poemas Completos,
Fernando Pessoa, Editorial Presença, 2000, ISBN 978-972-232-422-9.
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