Desencontro
Não ter morada,
habitar
como um beijo
entre os lábios,
fingir-se ausente
e suspirar
(o meu corpo
não se reconhece na espera)
percorrer com um só gesto
o teu corpo
e beber toda a ternura
para refazer
o rosto em que desapareces
o abraço em que desobedeces.
Outubro 1979
Desencontro
No avesso das palavras
na contrária face
da minha solidão
eu te amei
e acariciei
o teu imperceptível crescer
como carne da lua
nos nocturnos lábios entreabertos.
E amei-te sem saberes,
amei-te sem o saber,
amando de te procurar,
amando de te inventar.
No contorno do fogo
desenhei o teu rosto
e para te reconhecer
mudei de corpo,
troquei de noites,
juntei crepúsculo e alvorada.
Para me acostumar
à tua intermitente ausência,
ensinei às timbilas
a espera do silêncio
Julho 1981
Poemas de Mia Couto, in ‘Raiz
de Orvalho e Outros Poemas’
JDACT