quinta-feira, 13 de agosto de 2015

A Caminhada. Richard P. Evans. «A empresa passou de dois funcionários a uma dúzia em apenas nove semanas e eu fazia mais dinheiro do que os indivíduos que açambarcavam os bilhetes para os espectáculos da Barbra Streisand»

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«(…) À maneira tipicamente estoica do meu pai, nunca falámos da morte da minha mãe nem de sentimentos ou das situações que os originavam. Nessa manhã, ele preparou-me o pequeno-almoço e sentámo-nos à mesa, ouvindo o silêncio. Os homens da funerária chegaram e partiram e o meu pai tratou de tudo com a serenidade típica de uma simples transação comercial. Não quero com isto dizer que a morte da minha mãe não o afectou, simplesmente ele não sabia como exteriorizar os seus sentimentos. O meu pai era assim. Nunca lhe dei um beijo. Era a sua forma de ser. O motivo que nos leva a iniciar as coisas raramente é aquele que nos leva a continuá-las. Comecei a escrever no meu diário porque a minha mãe me disse para o fazer. Após a sua morte, mantive este hábito porque interrompê-lo significava quebrar uma corrente que me ligava a ela. Depois, gradualmente, até isso se foi alterando. Nos respetivos momentos não me apercebi do facto, mas os motivos que me levavam a escrever mudavam constantemente. Enquanto ia amadurecendo, fui escrevendo como que para provar a minha existência. Escrevo, logo existo.
Existo... Há alguma coisa em todos nós que, para o bem e para o mal, nos incita a fazer com que o mundo saiba que existimos. Esta é a minha história, o meu testemunho de mim próprio e da maior viagem da minha vida. Esta viagem começou quando eu menos esperava, numa altura em que me parecia que rigorosamente nada podia correr mal. Antes de o meu mundo se ter desmoronado, eu era um executivo de uma agência de publicidade, em Seattle. Não obstante, admito que esse título soa algo pretensioso quando aplicado a alguém que decorava o seu escritório com bonecos do Homem da Atlantida e pósteres de Einstein. Eu era um homem dos anúncios. Era simplesmente uma área profissional que eu sempre quisera abraçar. Talvez eu tenha abraçado aquela profissão por querer ser uma espécie de Darrin, de Casei com uma Feiticeira (eu mantinha uma paixoneta de miúdo por Elizabeth Montgomery). Conclui a licenciatura em 1998 e obtive trabalho antes mesmo de a tinta do meu diploma ter secado. Fui bem-sucedido no mundo da publicidade e levei a vida de uma jovem estrela em ascensão. Era um menino-prodígio. Ganhei dois prémios ADDY no meu primeiro ano de actividade e quatro no seguinte. Depois de três anos a enriquecer os meus patrões, segui o caminho predilecto das agências de publicidade das firmas de advogados e das organizações religiões e fundei a minha própria empresa. Eu tinha apenas vinte e oito anos de idade quando vi um letreiro de vinilo com o nome da minha agência afixado na porta do meu gabinete: MADGIC, Publicidade e Design Gráfico.
A empresa passou de dois funcionários a uma dúzia em apenas nove semanas e eu fazia mais dinheiro do que os indivíduos que açambarcavam os bilhetes para os espectáculos da Barbra Streisand. Um dos meus clientes até me chamou o figurino do sonho americano. Passados dois anos, exibia todos os sinais do êxito material tinha a minha própria empresa, um automóvel Lexus Sport Coupé, uma bela casa de 1,9 milhões de dólares em Bridle Tiails, um bairro exclusivo e repleto de arvoredo a norte de Bellevue, dotado de um parque equestre e de trilhos para passeios a cavalo em vez de passeios para peões, e passava férias na Europa. Para completar este quadro de sucesso, tinha também a mulher que eu amava, uma beldade morena chamada McKale. Quando os meus clientes potenciais me perguntavam se eu conseguia vender os seus produtos, eu mostrava-lhes uma foto de McKale e dizia-lhes que tinha conseguido fazer com que ela se casasse comigo. Então, acenavam-me, admirados, com a cabeça e confiavam-me a publicidade aos seus produtos. McKale era o amor da minha vida e, literalmente, a miúda que vivia na porta ao lado. Conheci-a quando eu tinha acabado de completar nove anos de idade, cerca de quatro meses depois de a minha mãe ter morrido e de o meu pai ter deixado o Colorado, mudando-se para Arcadia, na Califórnia». In Richard P. Evans, A Caminhada, 2010, tradução de Luís Coutinho, Saída de Emergência, 2012, ISBN 978-989-637-465-5.

Cortesia de SEmergência/JDACT