«O catarismo é um
fenómeno histórico que pode ser observado segundo dois pontos de vista: para
uns, é uma religião evangélica, para outros, trata-se de uma clara heresia…»
Lenguadoc. Século XIII. A originalidade
Occitânica
«(…) Para conhecermos bem o que são os trovadores e
a poesia trovadoresca, nada melhor que entregarmo-nos nas mãos do melhor
estudioso, Martin de Riquer: os poetas
que integram a lírica provençal dos séculos XII e XIII denominarn-se
trovadores, e a sua actividade literária designa-se com o termo trovar,
paralelo do latim invenire que
significa encontrar (uma coisa) e criar literariamente; o nome de trovador estendeu-se
aos autores de poesias cultas em língua corrente. O trovador compunha o texto
poético, e também a música, e era, portanto, simultaneamente músico e poeta. O
trovador era um profissional da literatura, quer dizer alguém que vivia da
protecção e recompensa que recebia nas diferentes cortes de nobres, ou casas de
burgueses que o acolhiam. Mas, junto a estes profissionais da trova, surgem os
grandes senhores que cultivavam também a poesia lírica. A longa lista que, como
sempre, é liderada por Guilherme Poitiers, está repleta de nomes
ilustres: Ricardo, Coração de Leão, bisneto do duque de Aquitânia, uma vez que
era filho da nossa conhecida Leonor de Aquitânia, neta de Guilherme; Raimbaut d’Auveng,
conde de Orange, o mesmo Folquet de Marselha que começou como rrovador e acabou
como arcebispo de Toulouse, para desgraça de Raimundo VI. A Catalunha é o país
onde existem mais senhores-trovadores, a começar por Afonso, o Casto, outro rei, Pedro, o Grande, e nobres como Berenguer Palol,
Guillelm Berguedà, Huguet Mataplana, exemplos de grandes e pequenos senhores
apaixonados pela arte da trova.
Voltando
aos profissionais, quando o trovador reunia certos méritos artísticos e ganhava
prestígio, adquiria categoria social e ombreava com toda a classe de nobres de
ascendência. Não se deve confundir o trovador com um outro profissional: o
jogral. Aqui apenas nos interessam os trovadores, porque são uma
manifestação original e única desta sociedade occitânica, que com a sua
dedicação propiciou, além do mais, o nascimento de qualquer coisa muito
especial, viva e também original: o amor
cortês. O cavaleiro cortês e a dama cortês são exemplos de pessoas em que
se concentram várias qualidades que a sociedade occitânica medieval considera
indispensáveis e dignas de serem imitadas: nobreza, galhardia, generosidade,
lealdade e elegância. Todos estes atributos se resumem numa palavra, a cortesia. E quando a cortesia
se identifica com o amor, nasce o fin
d’amor, quer dizer, o amor leal. Este fin d’amor é um jogo galante de tributo à beleza e à nobreza
da dama. Criam-se, nesta sociedade meridional, conceitos novos de trato social,
de conduta refinada, que são levados à prática e que foram tão originais, tão
próprios, que desapareceram completamente com a derrota posterior à Cruzada. A
exaltação cortês da dama permanecerá, apesar de tudo, para lá dos tempos e dos
círculos literários, até ao ponto dos cistercienses chamarem à virgem Maria Notre Dame, numa excelsa versão do fin d’amor que se conservou até
aos nossos dias.
Ainda que influenciada pelo mundo medieval, a canção
trovadoresca supera-o, e com a ajuda que proporciona ao nascimento desta nova
sociedade distancia-se desta esrritâ hierarquia feudal. Quando Afonso, o Casto, competia poeticamente com o
trovador limusino Girault Bornelh, de linhagem humilde, abre uma fissura por
onde entra uma nova convivência e antecipa o que pode haver de verdade na
transformação desta sociedade occitânica, em que acreditam muitos estudiosos
actuais: um certo conceito democrático. Fernand Niet comenta: … no Languedoc da época havia um espíriro de
tolerância, um sentimento muito claro da liberdade individual, um governo de tendência
democrática nas cidades...» In Jesus Mestre Godes, Els Cátars, Problema
religiós, pretext politic, Cathari, Ediciones Península, 1995, ISBN
84-8507-710-8., Origens, Desenvolvimento, Perseguição, Extinção, Editora
Pergaminho, 2001, Cascais, ISBN 972-711-297-8.
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