«(…) O Verão ia chegando ao fim e
McKale estava sentada, sozinha, a uma mesa de jogo, transportada para o jardim
da frente. Vendia Kool-Ade que tinha já preparado num jarro. Tinha vestida uma
saia curta, que lhe ficava acima dos joelhos, e calçava umas botas de cowboy
cor-de-rosa. Perguntei-lhe se podia ajudá-la e ela olhou para mim por
instantes, acabando por responder que não. Então, subi ao meu quarto a correr e
desenhei um cartaz grande com a inscrição: KoldKool-Ade. Só 70 cêntimos (O K em Kold pareceu-me um toque de
originalidade. Feito isto, voltei para baixo e mostrei-lhe a minha criação. Ela
gostou do cartaz o suficiente para me deixar sentar-me ao seu lado. Deve ter
sido para fisgar a miúda do filme,
que me meti na publicidade. Conversámos e bebemos vários copos de plástico do
seu elixir de cereja-negra, que ela ainda assim me fez pagar. Era linda, com os
seus traços perfeitos: tinha o cabelo comprido, da cor do café, sardas e uns
olhos cor de amêndoa que nem um publicitário conseguiria melhorar. Acabámos por
passar muito tempo juntos naquele Verão... Na verdade, passámos muito tempo
juntos em todos os verões que se seguiram àquele.
McKale não tinha irmãos e também
ela tinha acabado de passar por um período difícil. Os seus pais tinham-se
divorciado cerca de dois meses antes da nossa chegada e, segundo me contou, não
se tratara de um divórcio comum, precedido por grandes gritarias e coisas
partidas. A sua mãe limitara-se a abandonar o lar, deixando-a sozinha com Sam,
o pai. A sua cabeça andava sempre às voltas com aquilo, tentando perceber o que
tinha corrido mal, embora parecesse, por vezes, encalhada, como quando um
computador bloqueia e a pessoa fica ali a olhar para a ampulheta à espera que
aconteça alguma coisa. É uma pena os seres humanos não virem equipados com o
botão de reiniciar.
Os nossos cacos encaixavam-se uns nos outros e partilhávamos os nossos
segredos mais bem guardados, as nossas inseguranças, os nossos medos e, por
vezes, o que nos ia no coração. No ano em que fiz dez anos, comecei a chamá-la
de Mickey e o cognome agradou-lhe. Foi no mesmo ano em que construímos uma casa
numa árvore do jardim das traseiras da sua casa. Passámos muito tempo nessa
cabana, jogando jogos de tabuleiro e até lá dormimos algumas noites. No dia em
que ela fez onze anos de idade, encontrei-a sentada a um canto da cabana, chorando
histericamente. Como é que ela foi capaz de me abandonar?, perguntou, quando conseguiu
falar. Como é que uma mãe é capaz de fazer uma coisa destas?!, atirou, limpando
os olhos, furiosa.
Não soube responder-lhe, pois
fizera a mesma pergunta a mim mesmo. Tens sorte por a tua mãe ter morrido,
disse ela. Não gostei de ouvir aquilo. Tenho sorte por a minha mãe ter
morrido?! A tua mãe teria ficado ao pé de ti, se tivesse podido, respondeu, entre
soluços. Já a minha preferiu abandonar-me. Anda por aí, algures... Preferia que
ela tivesse morrido! Sentei-me ao seu lado e pus-lhe o braço em torno da
cintura. Nunca te hei de abandonar... Eu sei, - respondeu ela encostando a
cabeça ao meu ombro. McKale era a minha guia no universo feminino. Certa vez,
quis beijar-me só para ver o que é que os beijos na boca tinham de tão
especial. Beijámo-nos durante cerca de cinco minutos. Eu gostei..., muito! No
entanto, não tenho a certeza que se tenha passado o mesmo com ela, pois nunca mais
pediu para repetirmos a experiência. Portanto, não a repetimos». In
Richard P. Evans, A Caminhada, 2010, tradução de Luís Coutinho, Saída de
Emergência, 2012, ISBN 978-989-637-465-5.
Cortesia de SEmergência/JDACT