A Praça do Comércio
«(…) A monumentalidade
do conjunto é garantida pela sua qualidade rítmica, sobretudo. Elementos
celulares simples, arcos que se multiplicam nas três faces dos edifícios contínuos,
em galerias mais profundas na face norte (catorze arcos de cada lado do arco
do triunfo, com interrupção de duas ruas), do que nas faces nascente e
poente (vinte e cinco arcos) definem a arquitectura de Eugénio dos
Santos, enobrecida pelos dois pavilhões terminais e pelo arco triunfal donde
parte a Rua Augusta, principal do sistema da Baixa. A inspiração vinda da obra
de Terzi (que já tivera projecção no complexo joanino do convento-palácio de
Mafra, devido a J. F. Ludovice) é evidente, com necessária modernização do
novo desenho, a que, numa visão ambiciosa e sem realidade, se pretendeu (talvez
Carlos Mardel) acrescentar cúpulas sumptuosas; não deixaria, porém, de
levar balaustradas sobre os entablamentos que Eugénio dos Santos, mais
estritamente, não previra. O seu arco de triunfo foi, sem dúvida, inspirado em
desenhos de Le Brun à glória de Luís XIV embora o coroamento do projecto
português seja por demais simples e falto de brio, no seu frontão triangular
como suporte de estátuas. Mardel imaginará outro, com uma elegância requintada,
e outros ainda serão apresentados ao longo do século XIX, até que, em 1875, se lhe deu a forma académica e
sobrecarregada do projecto de A. Calmels, finalmente e em má hora aprovado.
Novo centro oficial da
capital e do governo do País, grande
teatro do comércio de Portugal, a Praça do Comércio constitui a expressão
mais original do magno empreendimento da Reconstrução: nela o espírito pombalino
tem a tradução simbólica que lhe convém, digna e prática, e justificada pelo
próprio nome que necessariamente lhe foi atribuído.
O Rossio
Novo fórum de Lisboa, a Praça do Comércio
absorvia em parte o papel social do Rossio antigo, mas este não deixou de
merecer a atenção do legislador que, ao mesmo tempo, em Junho de 1759, tratou de resolver problemas relativos
à edificação do que também considerava uma nobre praça. O velho recinto
medieval, sucessivamente enriquecido com o palácio da Inquisição (maldito), o convento dos Dominicanos e o
Hospital de Todos os Santos, fora regularizado em metade da área da Praça do
Comércio pela planta de Eugénio dos Santos que continuava a prever, na sua face
nascente, o convento e o hospital. Os terrenos tiveram, porém, outra
distribuição, de prédios de rendimento cujo projecto foi cometido a Carlos
Mardel, que ficou responsável pela urbanização do sítio. Três fachadas de
prédios de três andares e um de águas furtadas completam-se com a fachada
norte, destinada ao novo edifício do Palácio da Inquisição que a assumia regularmente.
Mais tarde, a face sul da praça será modificada para reproduzir o corpo central
do edifício da Inquisição (maldita), com
o seu portal, como arco de comunicação com uma rua estreita que, na planta
geral da Baixa, não atingiria o Rossio. Dois pormenores nestes prédios
diferentes dos das ruas da Baixa chamam imediatamente a nossa atenção: primeiramente,
o ritmo das janelas do primeiro andar, que insere modularmente uma sacada entre
duas janelas de peito, ligando-a ao portal num conjunto de discreta monumentalidade.
O segundo detalhe é constituído pelos telhados ditos germânicos, de águas sobrepostas, que se supõem introduzidos em
Lisboa por Mardel, e que imprimem uma maior complexidade arquitectónica e uma maior
riqueza visual ao Rossio.
O Palácio da Inquisição,
que é dos raros edifícios nobres que o programa pombalino imediatamente
admitiu, tem discutível qualidade arquitectónica na sua severidade. Uma grande
sacada, com balaustrada de pedra sobre um portal de silharia refendida, e, sob
um frontão triangular encimado por uma estatueta figurando a Fé, forma um
conjunto que enriquece o corpo central da construção continuada em dois corpos
de sete vãos em três andares. Um incêndio destrui-lo-ia em 1836, alterando, com a edificação do teatro
de D. Maria II, a imagem original e significativa da praça. Na imediata
vizinhança do Rossio realizar-se-iam em breve duas iniciativas necessárias à
nova cidade: a instalação dum mercado, por detrás do seu lado nascente, em
terrenos que o Hospital e os Dominicanos não utilizariam, e que, posta de parte
a intenção de nele levantar quarteirões de prédios, ficaria para sempre
devoluto; e a plantação de um jardim público, o primeiro que Lisboa conhecia, expressamente
oferecido à sua população». In José Augusto França, A Reconstrução de
Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Director da Publicação António Quadros, Instituto de Cultura
e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva do Comércio, Instituto
Camões, 1986.
Cortesia de I.
Camões/JDACT