quinta-feira, 20 de agosto de 2015

As Pirâmides de Napoleão. William Dietrich. «O capitão pegou uma carta, pensou e corou. Era como se ele avisasse a todos o que estava pensando. Isso me lembrou da história da cabeça de Charlote que, após ser guilhotinada, teria ficado indignada ao ser repetidamente esbofeteada por seu carrasco…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Sofás eram alcovas ideais. Cortinas de veludo estimulavam o tacto. Um novo piano, muito mais moderno que a espineta aristocrática, enchia o ambiente com uma mescla de melodias sinfónicas e patrióticas. Especialistas, prostitutas, burocratas, informantes, mulheres em busca de casamento estratégico e herdeiros falidos: todos esses tipos poderiam ser encontrados ali. Sentados à mesa comigo estavam um político libertado da prisão há oito meses; um coronel que perdeu um braço na conquista da Bélgica; um mercador de vinhos endinheirado por ser fornecedor dos inúmeros restaurantes abertos pelos chefs que tinham perdido seus empregos nas casas das grandes famílias aristocráticas; e um capitão do exército de Bonaparte na Itália. Ele gastava sua parte do saque mais rápido do que havia ganhado. E, claro, eu. Fui secretário de Franklin durante seus últimos três anos em Paris, exactamente antes da Revolução Francesa, e retornei aos Estados Unidos para me aventurar no comércio de peles, depois trabalhei um pouco como agente de carga em Londres e Nova Iorque no ápice do Terror. Agora, voltei à cidade na esperança de que meu francês fluente me ajudasse a fechar negócios com o comércio de madeira, fibras e tabaco entre meu país e o Directório. Sempre há uma chance de ficar rico durante uma guerra. Sinceramente, também esperava ser respeitado como electricista, uma palavra nova e exótica, e continuar as pesquisas de Franklin baseadas em sua curiosidade sobre os mistérios maçónicos.
Ele acreditava que eles poderiam ter aplicações práticas maiores. Especialmente por alguns estudiosos garantirem que os Estados Unidos foram fundados por maçons com um propósito secreto, cuja natureza ainda não foi revelada, e que nossa nação tinha uma missão. Em tempo, o conhecimento maçónico só é revelado depois de um tedioso processo de crescimento em seus vários níveis. O bloqueio naval britânico impediu meus esquemas de negócios. Uma coisa a Revolução não mudou: o tamanho e a velocidade da implacável burocracia da França, era fácil conseguir uma audiência, e impossível obter uma resposta. Levando tudo isso em conta, eu acabava tendo muito tempo para outras ocupações, como o jogo. Era um jeito mais que agradável de manter uma pessoa ocupada durante a noite. O vinho era aceitável, os queijos eram bons, e, à luz de vela, cada rosto masculino parecia enganador e toda mulher era maravilhosa. Ao contrário do normal, meu problema naquela sexta-feira 13 não era estar perdendo. Eu estava ganhando.
Naquele período as ordens de pagamento e apólices revolucionárias tinham perdido seu valor, dinheiro vivo virou lixo e espécie era algo muito raro. Por isso, minha pilha de ganhos consistia não apenas em francos de ouro e prata, mas também em um rubi, e a escritura de uma propriedade abandonada em Bordeaux, que eu não tinha a menor intenção de visitar e seria utilizada numa próxima rodada, e em fichas de madeira que davam direito a refeições, garrafas de vinho, ou uma noite com uma mulher. Até mesmo uma ou duas moedas de ouro com a face do rei Luís apareceram no meu lado da mesa. Eu estava com tanta sorte que o coronel me acusou de querer ganhar seu outro braço, o mercador de vinhos lamentou não ter conseguido me embebedar e o político queria muito saber quem eu tinha subornado. Eu simplesmente conto cartas em inglês, tentei fazer a piada, mas não funcionou, já que a Inglaterra era abertamente o próximo alvo de Bonaparte, ainda colhendo frutos de seus triunfos no norte da Itália. Ele estava acampado em algum lugar na Bretanha, vendo a chuva e torcendo para que a marinha britânica fosse embora.
O capitão pegou uma carta, pensou e corou. Era como se ele avisasse a todos o que estava pensando. Isso me lembrou da história da cabeça de Charlote Corday que, após ser guilhotinada, teria ficado indignada ao ser repetidamente esbofeteada por seu carrasco em frente ao público. O facto gerou um debate científico sobre o momento preciso da morte, o que levou o doutor Xavier Bichot a levar corpos de vítimas da guilhotina para seu laboratório e tentar animar seus músculos com electricidade, usando a mesma técnica que o italiano Galvani aplicava em sapos. O capitão queria dobrar sua aposta, mas foi frustrado por sua bolsa vazia. O americano levou todo o meu dinheiro! Eu dava as cartas no momento e ele me olhou. Monsieur, crédito para um soldado honrado. Eu não estava com humor suficiente para financiar uma guerra de apostas com um jogador excitado com suas cartas. Um banqueiro cauteloso precisa de garantias. Qual? Meu cavalo? Não tenho necessidade de um em Paris. Minhas pistolas? Minha espada? Faça-me o favor, não o implicaria em desonra, cavalheiro. Ele ficou em silêncio, considerando novamente o que possuía. Então, algum tipo de inspiração divina tomou o homem, o que normalmente significaria problemas para qualquer um envolvido. Meu medalhão! Seu o quê?» In William Dietrich, As Pirâmides de Napoleão, 2007, Grandes Narrativas, nº 490, Editorial Presença, 2011, ISBN 978-972-234-450-0.
                         
Cortesia EPresença/JDACT