sábado, 29 de agosto de 2015

A Estátua do imperador Maximiliano. Pedro IV. Alexandre Borges. «… com parlamento, eleições, separação de poderes, liberdade de imprensa, liberdade religiosa, uma lei fundamental escrita consagrando valores de igualdade. O rei João VI e aquela que continua a ser formalmente sua mulher»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) O príncipe tem nove anos quando os exércitos de Napoleão invadem o reino e o pai decide fugir para o Brasil. A travessia do Atlântico vai tornar-se familiar para os seus olhos negros e brilhantes: fá-la-á quatro vezes ao longo da vida. Fez-se homem no Rio de Janeiro, entre o povo das tabernas, mulheres e cenas de pancadaria, muitas vezes com maridos atraiçoados. Mas foi em São Paulo que casou, aos 19 anos, com a arquiduquesa Leopoldina, filha de Francisco, último imperador do Sacro Império Romano-Germânico e primeiro da Áustria, e sobrinha-neta da célebre Maria Antonieta. O momento determinante da sua vida, contudo, chegaria três anos depois...
Portugal, o país que tinha visto fugir para o Brasil toda a família real e elites, que precisou de um comandante estrangeiro, inglês, no caso, para se defender, podia gabar-se de uma coisa: quase toda a Europa tinha sido tomada por Napoleão, boa parte dela à primeira tentativa; Portugal sofrera três investidas francesas e nunca soçobrou. Com a derrota de Bonaparte em Waterloo e subsequente desterro para a ilha de Santa Helena, ficava o orgulho de um pequeno país que saía invicto do embate com um gigante (ainda que os ingleses o viessem a retratar como pouco mais do que um anão), mesmo que abandonado pelos seus líderes.
Esse orgulho, essa prova de vida e, finalmente, essa certeza de ter sobrevivido 13 duros anos sem rei, tinham de efectivar-se em qualquer coisa concreta. Assim, a partir da cidade do Porto e estendendo-se, depois, a muitos círculos do país, começou a formar-se a convicção de que o tempo dos senhores absolutos chegara ao fim. O Ocidente, de França aos Estados Unidos, já,fizera as suas revoluções liberais; era chegada a hora da revolução portuguesa. Em 1821, a família real é chamada a voltar para renunciar a boa parte dos seus poderes e assinar os termos de uma monarquia constitucional, com parlamento, eleições, separação de poderes, liberdade de imprensa, liberdade religiosa, uma lei fundamental escrita consagrando valores de igualdade. O rei João VI e aquela que continua a ser formalmente sua mulher, dona Carlota Joaquina, despedem-se do Brasil e embarcam para Lisboa; o filho Miguel, que tem agora 19 anos, também; mas Pedro não. Ou porque foi ali que cresceu, ou porque apoia os movimentos autonómicos locais, ou de concerto com o próprio pai, para reinar sobre um Brasil que evoluía, inexoravelmente, para a independência, Pedro fica.
E passado pouco mais de um ano, tomando conhecimento de que, em Portugal, se moviam influências diplomáticas para voltar a reduzir o reino brasileiro à condição de colónia, assume a ruptura junto ao riacho do Ipiranga, em São Paulo, grita independência ou morte. Ganha a primeira. Pedro é aclamado imperador do Brasil.
Em nome da vontade de fazer daquele território imenso e em boa medida selvagem um país uno e desenvolvido, o filho de João vai renunciar a ser rei de meio mundo. A decisão de ficar daquele lado do Atlântico e emancipá-lo significava, desde logo, recusar o trono português e o império adjacente de que era herdeiro legítimo, mas outros chamamentos viriam, e das proveniências mais inesperadas. Libertas de 400 anos de domínio turco, as províncias do antigo Império Romano do Oriente procuram reis que as dirijam numa nova era enquanto nações soberanas. A Grécia endereça o convite a um homem que ainda é descendente dos imperadores da velha dinastia Comnenus, precisamente Pedro, mas ele recusa. A própria Espanha, emancipada da ocupação napoleónica e dilacerada pela guerra entre absolutistas e liberais, vê em Pedro, liberal e libertador do Brasil, o homem certo para a comandar, mas ele, uma vez mais, prefere ficar do lado de lá a consolidar um novo país. Dizia assim que não a uma oportunidade sem paralelo em toda a História: ser imperador da Ibéria e das respectivas províncias ultramarinas, isto é, de grande parte da América Latina e da África, estendendo-se até Macau ou Filipinas, na Ásia longínqua». In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Letras, Lisboa, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.

Cortesia CdasLetras/JDACT