«Consiste o livre-arbítrio em
voluntariamente cumprir o fado». In Agostinho da Silva
31
de Março de 1738
«(…) Nem todas podemos ter a tua
sorte, Teresa. Ou achas que eu não gostaria de estar prometida a um jovem como
o Luís Bernardo Távora? Agora, mais vale um velho conde na mão do que um jovem
marquês a voar... O anfiteatro encheu-se de mais uma das minhas sonoras
gargalhadas, que atraía sobretudo a atenção dos homens, não pela sua maior
susceptibilidade ao som, mas porque o som, neste caso, provinha de uma das jovens
mais bonitas da corte. Não tenho por que ser modesta. Herdara a beleza das
Lorena, que haviam chegado a Portugal um século antes, por via do casamento.
Minha mãe contava-me histórias da minha avó Margarida Armanda Lorena-Armagnac,
filha de um estribeiro-mor do rei Luís XIV de França, que rumou a Portugal para
ser terceira esposa de Nuno Álvares Pereira Melo, 1.º duque de Cadaval, que já
no seu segundo casamento casara com uma Lorena, Maria Angélica Henriqueta
Lorena, que morrera jovem.
Desses dois casamentos de meu avô
nasceram 11 filhos, a maioria com Lorena no nome. Mas foi a irmã mais velha de
minha mãe, Ana Lorena, quem primeiro cruzou o nosso sangue com o dos Távoras,
casando com Luís Bernardo Álvares Távora, 5.º conde de S. João da Pesqueira.
Desse casamento nasceu, entre outra descendência, Leonor Távora, minha sogra.
Minha mãe, Joana Lorena, voltou a unir-se a um Távora, casando em 1699 com Bernardo António Néri Távora,
2.º conde de Alvor. Só deste casamento nasceram 15 filhos, todos eles
orgulhosamente herdeiros das duas linhagens que lhes estavam nas origens. Longe
ainda de adivinhar que, alguns anos depois, só o Lorena poderia dar-lhes alguma
dignidade, porque o Távora, esse, se cobriria irreversivelmente de vergonha, à
custa daquela jovem fidalga que, em 1738,
centrava as atenções dos homens nas suas gargalhadas vigorosas. Eu própria,
Teresa Távora Lorena.
O Luís Bernardo não tira os olhos
de ti, dizia-me Pelágia, enquanto a tourada não tinha início. Não era já altura
de casarem? O que é que vos impede? Não respondi para não alimentar boatos, nos
quais Pelágia era perita. Mas o que nos impedia de casar tinha um único nome: Leonor
Távora, mãe daquele que me estava prometido desde a nascença. A marquesa de Távora,
como todos lhe chamavam, casara com o meu irmão mais velho, Francisco Assis, e
fora mãe do seu primeiro filho varão em1723,
20 dias depois de minha mãe me dar à luz. Feliz por ser pai e avô com tão
poucos dias de diferença, meu pai sugeriu, por graça, prometer-me em casamento
ao seu neto, que era portanto meu sobrinho. O meu irmão Francisco e a minha
cunhada Leonor não se opuseram e a ideia, que era só uma graça, tornou-se uma
promessa, e valeu a todos a desgraça que mais tarde viria a suceder-se.
Estava assim, com poucos dias de
vida, já prometida em casamento ao meu sobrinho Luís Bernardo Távora, que por
sorte veio a revelar-se um jovem bonito e bem formado, com quem todas as
fidalgas gostariam de casar. Estaria eu talvez satisfeita e entusiasmada com um
pretendente tão perfeito, não fosse a minha cunhada, futura sogra, ser dona de
uma arrogância insuportável, legitimada, segundo ela, por uma moral
irrepreensível, à qual só faltava darem altar. Santa Leonor Távora, como
lhe chamava entredentes, era a mais aborrecida das mulheres da corte. Também bonita
e com ar distinto, achava no entanto que a beleza era uma grande responsabilidade,
porque atentava à virtude. Uma mulher bonita devia ser ainda mais recatada e
discreta, para evitar que as tentações do corpo se sobrepusessem às virtudes do
espírito». In Sara Rodi, Teresa Távora, A Amante do Rei, A Esfera dos Livros,
Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-482-6.
Cortesia
EsferaLivros/JDACT