Os
estados do silêncio
«(…) O silêncio dos mosteiros,
dos claustros, dos monges, de todos aqueles que praticam a ciência do retiro
encantado (Michaux). Durante um ano o aprendiz de maçon é convidado a meditar,
ouvir, calar-se. E os Reis Magos inclinam-se sem palavras. Existe o silêncio
dos lugares, dos quais Marie-Madeleine Davy nos diz: … as forças telúricas
operam no silêncio, elas modificam as estruturas e os comportamentos; um local
sagrado fala por si; a pedra torna-se falante, como a floresta e as suas
clareiras; a água murmura a sua mensagem; os lugares sagrados assemelham-se à
linguagem dos pássaros. Qualquer local se pode tornar um templo, o santo dos
santos vibrante de segredos..., revelando-se no não-dito. Lugar de contacto com
o fundo abissal do ser.
No encanto, devemos dizer que o
verdadeiro segredo recua sempre, inacessível. Existe o silêncio dos animais, o
labuloso silêncio do gato e de todos os felinos, sem frases, e o comovente silêncio dos cães. O dos caçadores à
espera, o dos pescadores que meditam de linha na mão. O silêncio dos cegos, dos
surdos, dos mudos: imagem oval no ecrã de televisão ou um homem falando por
sinais a outros. O antepassado do jornal satírico Haro Kiri chamava-se Le Petit
Silence Illustré. Editado em 1955
por Jacques Sternberg, teve sete números e foi o primeiro fanzine, a única
revista que não tem nada a dizer. O seu lema: … diz-me o que calas, dir-te-ei quem és! Citemos alguns provérbios
populares franceses e estrangeiros.
- Em França diz-se: O silêncio é de ouro;
- Na Alemanha: Cala-te ou diz qualquer coisa melhor que o silêncio;
- Em Israel: Saber calar-se é mais difícil que falar bem;
- Em Itália: Aquele que nada sabe, sabe o suficiente se souber manter-se em silêncio;
- Na Roménia: O silêncio também é uma resposta;
- Em Espanha: Perceber, ver e calar-se, senão a vida torna-se amarga;
- Na Dinamarca: Aquele que quer economizar deve começar pela sua boca;
- Na Turquia: A boca do sábio está no seu coração, o coração do tolo está na sua boca;
- Na China: Existe aquele que falou toda a sua vida e nada disse, e aquele que não chegou a abrir a boca e apesar disso nunca ficou sem nada dizer;
- Por fim, no Japão, diz-se que: As palavras que jamais foram pronunciadas são as flores do silêncio.
Tantos silêncios! Existe também o
da esfinge, o silêncio dos perfumes, odores e cores, o silêncio da cerimónia do
chá, o silêncio da noite e dos sonhos, o silêncio de cada gesto. O silêncio das
estações e dos seus dias». In Marc Smedt, Elogio do Silêncio, 1986,
Sinais de Fogo Publicações, tradução de Sérgio Lavos, colecção XIS (livros para
pensar), Público, 2003, ISBN 989-555-029-4.
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