sábado, 15 de agosto de 2015

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «O processo com Santiago foi resolvido por Inocêncio III depois de formidável gasto de tinta, em 1199, sendo os bispados em litígio divididos. Santiago recebeu além de Lisboa e Évora, ainda Lamego…»

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Alexandre III
«(…) No primeiro plano estavam antes aquelas considerações políticas que já, muitos anos antes, na legacia do cardeal Jacinto, tiveram de ser tomadas em consideração. A Cúria abandonara agora o pensamento do predomínio dum só estado da Península, podia e devia por isso agora, cuidar dum ajustamento dos interesses e reconhecer a igualdade de direitos dos vários príncipes, a princípio pelo menos no ocidente da Península.
A estreita interdependência do desenvolvimento político de Portugal e do papel concedido à Metrópole bracarense, surge aqui de novo. Desde que Portugal fora reconhecido como reino, podia Braga exigir também no cerimonial os mesmos direitos que possuía a Metrópole vizinha. Aos arcebispos de Compostela havia Eugénio III concedido o privilégio de alçar a cruz na sua província eclesiástica, e isso era considerado então como privilégio especial. O mesmo privilégio recebeu agora a 29 de Novembro de 1180 o arcebispo de Braga, de modo que possuía a mesma categoria do seu rival. Também nas exterioridades, que eram tão importantes na idade-média, valia a igreja portuguesa tanto como a leonesa. Com isto chegamos ao fim; acompanhamos até final a luta dos portugueses pela sua independência. Se os vários pontos litigiosos, à volta dos quais giraram as questões, ainda não estão arrumados, nunca mais surgiu nada de novo na essência. O processo com Santiago foi resolvido por Inocêncio III depois de formidável gasto de tinta, em 1199, sendo os bispados em litígio divididos. Santiago recebeu além de Lisboa e Évora, ainda Lamego e o bispado então criado de novo em Idanha (Guarda) e finalmente Zamora, ao passo que Braga conservou Coimbra e Lamego. Esta divisão, apesar de geográfica e politicamente absurda, manteve-se 200 anos, até que finalmente as confusões do grande cisma ocidental obrigaram a uma renovação baseada nas fronteiras políticas. Por outro lado, também a luta pela primazia com Toledo ressuscitou de maneira curiosa, quando o arcebispo Rodrigo Jimenez de Toledo apresentou mais uma, vez à Cúria as suas antigas pretensões. Inocêncio III, a quem não convinham estes serôdias exigências, impediu-o primeiro de iniciar o processo, mas por meio da sua célebre aparição no quarto concílio de Latrão conseguiu Rodrigo o procedimento judicial contra Braga. Não conseguiu porém senão que Honório III depois de longas negociações suspendesse o julgamento, isto é, que ficasse tudo como antes. Mas este processo sem consequências jurídicas e anacrónico tem para a ciência uma grande importância, visto que em mais do que um sentido nos fornece documentos de valor único, sem os quais pouco saberíamos mesmo das primeiras fases da grande questão à volta da primazia.
Entretanto, mantiveram-se em crescente animação as relações entre o Papado e Portugal. O número de privilégios e rescritos cresce continuamente, atingindo em poucos anos considerável importância, se tivermos em conta a grande distância e as dificuldades do viagem. A ligação de Portugal com o organismo da igreja de Roma papal está completada no Papado de Alexandre III. É digno de nota que em todo este tempo deixamos de ouvir falar de esforços directos dos papas para promover a continuação em Portugal das guerras contra os mouros. É evidente que isto deve derivar de lacunas do nosso material precisamente a tal respeito não é provável que tenha afrouxado o entusiasmo da Cúria a favor da guerra mourisca. Mas para podermos julgar com segurança neste caso, precisaríamos de abranger todo o material existente em diplomas papais na Península, sobretudo em Castela e Leão. O estudo que apresentamos, não pretende dar uma narração exaustiva e definitiva, e muita coisa fica no campo das hipóteses. Algumas coisas poderão ser completadas, logo que as relações entre o Papado e as regiões centrais da Península tiverem sido convenientemente estudadas; mais ainda seria porém necessário prosseguir no estudo da história interna de Portugal com a ajuda sobretudo dos diplomas reais, cuja colecção e publicação é da maior urgência, até mesmo para a investigação história portuguesa». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.
               
Cortesia de Separata do BIAlemão/JDACT