segunda-feira, 31 de agosto de 2015

No 31. De Princesa a Rainha-velha. Leonor de Lencastre. Isabel Guimarães Sá. «Apesar de não nos ser dito que dona Leonor foi a mais velha, parece ter sido o caso, ainda que continue por explicar o que aconteceu nos anos entre 1447 e 1458, isto é, entre a data do casamento e o nascimento de dona Leonor»

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Uma mãe eficiente: dona Beatriz, infanta e neta do duque de Bragança
«(…) Em primeiro lugar, os dados brutos: só em ouro totalizava 22,5 marcos e 6 oitavas, e a prata 483,5 marcos e 5 oitavas, isto é, o equivalente a 5,1 quilo de ouro e 111 quilo de prata. Eram de ouro as jóias de seu corpo, e de prata muitos dos objectos necessários à sua câmara. Por outro lado, trata-se de um enxoval cujo uso era colectivo e se estendia a uma comunidade de mulheres, uma vez que as damas da infanta aparecem referidas em muitos dos itens. Para elas, havia uma mesa marchetada (isto é, com embutidos), munida de castiçais e saleiros; uma profusão de peças de roupa entre cotas (vestidos), opas e crespinas (toucas ou véus), e várias camas munidas de todo o necessário (colchões, travesseiros, lençóis, etc.). Um total de cerca de trinta arcas e cofres que continham uma extrema variedade de objectos de uso pessoal e doméstico, incluindo as peças mais prezadas enquanto consumos de prestígio.
Havia uma capela completa para as devoções e funções religiosas privadas, de que faziam parte livros litúrgicos (um missal e um breviário), uma vestimenta para um sacerdote e uma sobrepeliz para um capelão, castiçais para o altar, um cálice e uma custódia, a cruz do altar, a naveta para guardar o incenso e o turíbulo para queimar e espalhar o seu fumo, um porta-paz, uma caldeira com hissope para aspergir água benta, galhetas para guardar os santos óleos. Não faltavam também objectos de uso profano como o tabuleiro de xadrez, ou os essenciais e muito prestigiosos objectos de toilette, os espelhos e pentes. Também se incluíam numerosos objectos para levar à mesa, em que não faltavam as confeiteiras (para doces) e os oveiros (para ovos). Sinais de distinção que, mais do que fornecerem os equipamentos necessários à vida doméstica e aos cuidados do corpo e alma, simbolizavam o estatuto régio da noiva e recordavam ao noivo o dever de o respeitar. Estava portanto a infanta dona Beatriz suficientemente provida de bens necessários ao seu novo estado. Vejamos o que aconteceu nos vinte e três anos em que esteve casada com o infante Fernando, antes de enviuvar em 1470.
Teve, segundo consta, nove filhos, o que significa que cumpriu o que se esperava de uma nobre de alta estirpe em termos de reprodução biológica. Se tivermos em conta que pode ter tido desmanchos, filhos mortos à nascença ou de poucos dias que raramente deixavam vestígios documentais, provavelmente teríamos muito mais gravidezes. Mesmo os filhos de reis e rainhas em exercício só são mencionados extensivamente nas crónicas quando vieram a ser herdeiros ou herdeiras do trono. Quando o marido morreu, João era o filho mais velho, dado como tendo 10 anos, ou seja, menos dois do que a irmã. Apesar de não nos ser dito que dona Leonor foi a mais velha, parece ter sido o caso, ainda que continue por explicar o que aconteceu nos anos entre 1447 e 1458, isto é, entre a data do casamento e o nascimento de dona Leonor. Teriam tido filhos entretanto mortos? Ou teria havido um longo período de infertilidade, seguido por muitos filhos?
Dona Beatriz sobreviveu mais de trinta e seis anos ao marido, e assumiu por inteiro o comando da família durante a menoridade dos filhos, em nome dos quais administrava o património da casa, uma grande fortuna e um enorme poderio territorial. Sogra do rei, sogra do duque de Bragança, o número dois no ranking do poder monárquico, tutora de seus filhos rapazes menores, tia da rainha de Castela, Isabel a Católica. Ao mais velho estava destinada a sucessão do mestrado da Ordem de Cristo, mas dona Beatriz assumiu durante breve espaço de tempo a chefia da mesma, na qualidade de tutora de seu filho. Não é difícil imaginá-la como uma mulher autónoma. A sua independência, no entanto, sofria de uma desvantagem que a filha dona Leonor não terá aquando da sua também prolongada viuvez. É que, enquanto mãe de filhos do sexo masculino, dona Beatriz ficaria dependente da sua generosidade e debaixo da sua autoridade quando atingissem a maioridade. Aconteceu com Diogo e mais tarde com o filho Manuel, duque de Beja e depois rei, que lhe pagava uma generosa tença. Dona Leonor seria uma viúva sem filhos, pelo que gozaria de maior autonomia.
De resto, fazemos aqui um parêntese importante para explicar algo de crucial: pela via materna, a rainha dona Leonor fazia a ponte com os Bragança de forma dupla. Por um lado a sua mãe, dona Beatriz, era neta de Afonso, conde de Barcelos, 1.º duque de Bragança e filho ilegítimo do rei João I, e por outro a sua irmã dona Isabel era casada com o terceiro duque do título, Fernando. E já agora uma segunda ligação dinástica importante: a irmã de dona Beatriz, Isabel, era mãe Isabel, a Católica, sendo esta última, portanto, sua sobrinha, e prima direita de dona Leonor. De resto, a avó materna de dona Leonor morreria em Arévalo, onde se juntara à filha (e mãe de Isabel, a Católica) que sofria de perturbações do foro mental. Portanto, dona Leonor, por via de sua mãe, não deixava de ser também uma Bragança, e, demonstrou apego a estes laços de parentesco durante toda a sua vida. Dona Leonor pertencia a uma família cuja linhagem tinha pertenças múltiplas relativamente a duas casas que podiam contender o poder dinástico ao príncipe e depois rei seu marido: os Bragança e os Reis Católicos». In Isabel Guimarães Sá, De Princesa a Rainha-velha, Leonor de Lencastre, colecção Rainhas de Portugal, Círculo de Leitores, 2011, ISBN 978-972-424-709-0.

Cortesia de CLeitores/JDACT