Alexandre III
«(…) Se desta forma ficou estabelecido que o sul lusitano de
Portugal devia pertencer a Compostela, restava ainda é claro, resolver a questão
de saber onde eram as fronteiras da Lusitânia, pois que os compostelanos defendiam,
como sabemos, a tese, historicamente bem justificada, que também o centro de
Portugal nos tempos antigos tinha sido lusitano, e por isso reclamavam para si
as dioceses de Coimbra, Viseu e Lamego. É absolutamente provável que Pedro,
arcebispo de Compostela, que era muito considerado por Jacinto, tivesse manifestado
pretenções neste sentido. Jacinto porém não se mostrou, evidentemente, inclinado
a cansar-se pela segunda vez com questão tão intrincada; tanto quanto sabemos,
não se manifestou a este respeito, dizendo provavelmente ao arcebispo que se dirigisse
ao papa. Pedro de Compostela reclamou para Roma, enquanto o cardeal Jacinto
ainda não regressara de Espanha e apresentou todo o complexo das suas queixas.
Alexandre III reagiu e deu então as seguintes curiosas ordens: enquanto as dioceses portuguesas, que
Santiago reclamava, se mantivessem ilegalmente sob a jurisdição de Braga, deveriam,
por castigo, os bispos leoneses, que eram sufragâneos de Braga, obedecer ao
arcebispo de Compostela. Isto significava instantaneamente a perfeita
adaptação da divisão eclesiástica à divisão política, a remoção de todas as
complicações com uma simples penada. A inovação encontrou logo aprazimento no
rei de Leão; assim como Afonso Henriques impedia os seus bispos de tratarem com
Santiago, assim proibiu agora, Fernando II de Leão aos galegos a obediência a
Braga.
É possível que então Alexandre II, enquanto Jacinto se
encontrava ausente, tenha pensado em solucionar para sempre o litígio de maneira
tão simples. A princípio porém tratava-se apenas duma medida passageira, que
podia ser revogada, logo que o arcebispo de Braga se justificasse. João
Peculiar, que desta maneira perdia muito mais do que ganhava, também não
concordou com esta solução. Mas já se não encontrava em situação de vencer mais
esta batalha; morreu a 3 de Dezembro de 1175 com avançada idade e por muito tempo chorado. A obra da sua
vida estava quase completa; só deixava, a outras mãos colocar a chave da
abóbada. O seu sucessor foi o arcebispo Godinho (1176-1188), que prosseguiu na mesma política de lealdade
para com seu rei, pelo menos enquanto Afonso Henriques viveu.
O arcebispo Godinho apareceu em Janeiro de 1771 na Cúria para trazer o pálio e
encontrou-se lá com um cónego compostelano, que apresentou mais uma vez as
queixas de Santiago. Agora também se encontrava presente o cardeal Jacinto, e,
segundo parece, fez valer o seu ponto de vista. Seja como for, o que é certo é
que a nítida separação entre Portugal e Leão, como fora determinado na última
bula papal, foi de novo posta de parte, os bispados galegos voltaram para
Braga, em compensação, primeiro que tudo, Lisboa e Évora foram adstritas a
Compostela, e por causa dos outros bispados litigiosos, Coimbra, Viseu, Lamego,
e ainda Zamora, e das outras diferenças, foi aprazado um julgamento. Assim
ficava fundamentalmente determinado pelo lado do papa que aquele enlaçamento
das duas províncias eclesiásticas continuasse.
O grande processo entre Braga e Santiago durou 22 anos, mas
não precisamos de seguir todas as suas fases. Também deixou de ter a decisiva importância
que possuía no ano de 1155, porque a independência de Portugal já não era
atingida por este litígio. Isto era evidente a Alexandre III e por isso, ainda
antes que na Cúria tivessem lugar as primeiras negociações, em 1179 reconheceu solenemente por
privilégio Afonso Henriques como rei, tomou-o a ele e a seus herdeiros sob a
protecção da Cúria, declarou Portugal reino pertencente a S. Pedro, e prometeu
o auxílio para defesa da dignidade real, em resumo: satisfez todas as condições
que Afonso Henriques 35 anos antes pusera a Inocêncio II. O rei quadruplicou
por esta ocasião o censo anual que pagava à Cúria e prometeu em vez de quatro
onças dois marcos em ouro; além disso, fez o pagamento por uma só vez de 1000
peças de oiro. Seguramente, não eram indiferentes ao papa, estes auxílios
monetários, porém seria rebaixar muito a política dum Alexandre III, julgar que
Afonso Henriques comprou simplesmente o reconhecimento do seu reino». In
Carl
Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa,
Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra
Editora, 1935.
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