Necessidade
e limites da prospectiva
«(…) Na verdade com a crescente
dinâmica da civilização diminuem notavelmente as possibilidades de prognosticação
do tipo de vida que nós e os que depois vierem iremos ter. Como acabo de indicar,
a certeza de outros tempos acerca do futuro resultava simplesmente de então ser
muito maior a verosimilhança de o futuro ser, no essencial, muito parecido com
o presente. Em relação ao nosso tempo, todo o presente de outrora desfrutou da extraordinária
vantagem cultural de poder dizer sobre o seu próprio futuro coisas muito mais
exactas do que as que nós hoje podemos adiantar.
Não é exagerado falar da nossa incapacidade
colectiva de antecipar o futuro: aumentou a inexactidão das predições. Nenhuma
civilização soube tão pouco sobre o futuro como a nossa. Paradoxalmente, a exactidão
e a validade dos prognósticos não são melhoradas, mas reduzidas, pelo progresso
do saber. Embora nunca tenhamos tido ao nosso alcance tantos dados sobre o mundo
e sobre nós próprios, o futuro é cada vez menos transparente. Nesta perspectiva,
compreende-se que a caracterização weberiana dos processos civilizatórios como processos
de racionalização tenha actualmente uma tonalidade eufemística ou ambígua: a racionalidade
não vem necessariamente acompanhada por segurança, estabilidade, previsão e controlo.
Que se conhece quando se conhece o
futuro?
A prospectiva é o conhecimento do
futuro possível, desejável ou verosímil, bem como das possibilidades de o
configurar. Poderíamos defini-la como a tentativa de conhecer, identificar e avaliar
as tendências sociais. Mas com isto não fica tudo dito, pois resta no ar a questão
do seu estatuto epistemológico, isto é, falta determinar o que é que nós
conhecemos quando conhecemos o futuro. Como o futuro é uma realidade paradoxal,
também o será a pretensão de o conhecer. Se na história irrompe alguma novidade
ou alguma emergência, nós não podemos sabê-lo nem antevê-lo. Com base em que
experiência anterior poderemos dizer que estamos perante outra totalmente nova?
Sem termo de comparação, a novidade escapa-nos; havendo-o, a novidade não seria
tão nova. O completamente novo seria irreconhecível, pois não poderíamos identificá-lo
segundo nenhuma das nossas categorias. Se, porém, fosse prognosticável, o novo já
não seria o futuro mas sim a repetição das suas antevisões, ou seja, uma forma de
continuidade do presente.
O nosso conhecimento do futuro está
sempre enredado neste dilema. A prospectiva não é possível nem para o
completamente novo nem para o completamente velho. Trata-se de conhecer o
relativamente novo, visto que o novo consiste em algo conhecido ser posto num
contexto inédito e experimentar uma nova valorização. É preciso distinguir o futuro
esperável, que vem ceteris paribus
(que podemos antever com base em experiências anteriores), da inovação radical,
que surge transcendendo o horizonte aberto pelas experiências e não corresponde
a nenhuma expectativa. A prospectiva é inseparável de uma constelação em que intervêm
três elementos: identificação do novo, observação do presente e orientação para
a acção.
O conhecimento
do futuro pressupõe, em primeiro lugar, a capacidade de identificação do novo. A futurologia clássica seguia a lógica
de uma evolução contínua na qual em presença de determinadas condições se repetiria
o que já ocorrera no passado. É uma concepção fraca do novo, entendido como mera
extrapolação do que já existe. O novo em sentido enfático tornar-se-á
incompreensível se nos empenharmos em situar os acontecimentos em cadeias lógicas,
já que surgem repetidamente factores que interrompem as sequências causais. Falando
com propriedade, não há condições para uma argumentação do tipo ceteris paribus porque a suposição
de que não acontece nada diferente do esperado implica uma descontinuidade, a saber:
perante os desafios sociais, técnicos ou ecológicos, os seres humanos só recorrem
a soluções que já estavam inventadas, o que contradiz a realidade da nossa história,
que é tanto continuidade como inovação». In Daniel Innerarity, El Futuro y sus inimigos,
2009, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.
Cortesia de
Teorema/JDACT