terça-feira, 11 de agosto de 2015

Urbanismo e Arquitectura. Lisboa. José Augusto França. «Assim, S. Sebastião da Pedreira e Arroios são verdadeiros extremos da cidade alargada, de onde se ganham os arrabaldes rurais. Em volta do monte do Castelo, pelo contrário, multiplicam-se também as ruas vermiculares…»

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A Cidade Manuelina e Filipina
«(…) Constituem a haste maior as ruas dos Escudeiros, dos Douradores, (alargada em 1716) e dos Ourives do Ouro, e a haste menor a famosa rua Nova dos Ferros que termina no largo do Pelourinho onde morre também a rua dos Ourives da Prata, vinda da Madalena. A primeira haste do L, a princípio da rua dos Escudeiros, bifurca-se na rua dos Odreiros que parte igualmente da face sul do Rossio. Ali têm ainda começo a rua do Lagar do Cebo e a longa praça da Palha; a primeira desce irregularmente, pelas ruas das Mudas e dos Carapuceiros, até à rua transversal dos Mercadores, a segunda, continuada pela rua das Arcas, vai ter ao largo da igreja de S. Nicolau onde desembocará também a rua da Cutelaria, que vem do largo da igreja de Santa Justa e, mais atrás, da rua do Poço do Borratém, numa espécie de V cujo vértice se marca na primeira igreja, importante na rede confusa da Baixa.
Outra igreja de importância é a de S. Julião, de onde parte para a igreja da Conceição dos Freires a rua dos Mercadores, no sentido poente-nascente, que é o sentido da rua Nova, mais abaixo, e da rua da Confeitaria, ambas estas paralelas à face norte e oblíqua do Terreiro do Paço, que à última se liga, indirectamente embora, pelos arcos dos Pregos e dos Barretes, que ainda são portas da cerca fernandina. Ainda no sentido norte-sul, sai do Rossio a rua dos Espingardeiros, paralela à dos Odreiros, e do ângulo sudoeste da praça parte a Rua do Carmo que, pelas escadinhas do Caracol do Carmo vai à calçada de Paio de Novais que entronca na rua Nova do Almada no ponto de intercepção da rua das Portas de Santa Catarina. A norte desta (que, continuando pelo Calhariz e Paulistas, vai a S. Bento) é o bairro do Carmo e da Trindade, a sul o bairro de S. Francisco por detrás do qual (e do palácio dos duques de Bragança) se desce aos Remolares, à beira do rio.
Daqui, depois de alguns desvios, sobem rente às muralhas, as ruas do Conde e a larga de S. Roque, deixando a poente o bairro das Chagas e o bairro Alto, e propondo, para norte, o caminho que, pela Cotovia, leva ao Rato, de onde, em vasta encruzilhada, realmente uma placa distribuidora de trânsito, e agora já com diminuta densidade de casario, se passa a S. Bento, a Santa Isabel, a Campolide, a S. João de Bem-Casados, ou se desce, pela rua do Salitre, a Valverde. Ao longo deste, a caminho de S. Sebastião da Pedreira e a partir das Portas de Santo Antão, para norte, correm as ruas das Portas, de S. José, de Santa Marta e de S. Sebastião. Ainda do ângulo nordeste do Rossio se passa, pela calçada, ao Campo de Sant’Ana de onde sai a carreira de cavalos, adiante da qual a Cruz do Taboado é ainda sítio quase inteiramente rústico; ou se passa, por detrás de S. Domingos e pela Saúde, à rua da Palma, deixando a poente os altos de Sant’Antão e do Desterro, a caminho de Santa Bárbara e de Arroios.
Assim, S. Sebastião da Pedreira e Arroios são verdadeiros extremos da cidade alargada, de onde se ganham os arrabaldes rurais. Em volta do monte do Castelo, pelo contrário, multiplicam-se também as ruas vermiculares e só a Sé, a Graça e S. Vicente impõem presenças fortes que são roturas e ao mesmo tempo focos de atracção urbana. Da Graça, pelos Quatro Caminhos, na direcção da Senhora do Monte e da Penha de França, esboça-se já uma linha de urbanização; outra, dos Quatro Caminhos desce para Santa Apolónia. A oeste da cidade, do sítio da Boa-Morte vai uma urbanização para as Necessidades e, ao longo de toda a margem do Tejo, de Santos-o-Novo até Alcântara, é uma mancha ininterrupta de casario, em maior ou menor densidade. Porque o rio é, desde a Idade Média (ou desde sempre) a via real da cidade, a sua possibilidade maior de comunicação.
Manchas maiores ou menores, lineares ou enoveladas em bairros mais antigos, elas fazem de Lisboa joanina, com as suas calçadas em ruína (1746), mau grado o fausto da corte do rei Fidelíssimo e a sua riqueza decorativa (e mesmo contando as suas duas praças, nobre uma, popular a outra), o que um famoso viajante francês (L. S. Mercier) achou ser uma cidade de África. E o Cavaleiro de Oliveira, exilado, nada mais que uma fermosa estrivaria…

A cidade pombalina
Grande parte desta cidade desapareceu cerca das 10 horas da manhã do dia 1 de Novembro de 1755, abalada por um terramoto de raríssima intensidade (graus VIII e X sobre XII da escala de Mercalli) e magnitude (grau 9, o máximo na escala de Richter), cujo epicentro é localizável a oeste de Gibraltar e que foi sentido por toda a Europa, a África do Norte e até nas Américas. Ao sismo, e por ele provocado, sucedeu um vasto incêndio, mais catastrófico ainda, e do duplo cataclismo resultaram cerca de 10 000 mortos (embora na altura os cálculos apavorados tivessem subido até 90 000) e perdas materiais incalculáveis, em prédios e riquezas móveis e preciosas». In José Augusto França, Lisboa. Urbanismo e Arquitectura, Director da Publicação Álvaro Salema, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, série Artes Visuais, Instituto Camões, 1980.

Cortesia de ICamões/JDACT