A Cidade Manuelina e Filipina
«(…) Constituem a haste
maior as ruas dos Escudeiros, dos Douradores, (alargada em 1716) e dos Ourives do Ouro, e a haste menor a famosa rua Nova dos
Ferros que termina no largo do Pelourinho onde morre também a rua dos Ourives
da Prata, vinda da Madalena. A primeira haste do L, a princípio da rua dos Escudeiros, bifurca-se na rua dos
Odreiros que parte igualmente da face sul do Rossio. Ali têm ainda começo a rua
do Lagar do Cebo e a longa praça da Palha; a primeira desce irregularmente,
pelas ruas das Mudas e dos Carapuceiros, até à rua transversal dos Mercadores,
a segunda, continuada pela rua das Arcas, vai ter ao largo da igreja de S.
Nicolau onde desembocará também a rua da Cutelaria, que vem do largo da igreja
de Santa Justa e, mais atrás, da rua do Poço do Borratém, numa espécie de V cujo vértice se marca na primeira
igreja, importante na rede confusa da Baixa.
Outra igreja de
importância é a de S. Julião, de onde parte para a igreja da Conceição dos
Freires a rua dos Mercadores, no sentido poente-nascente, que é o sentido da rua
Nova, mais abaixo, e da rua da Confeitaria, ambas estas paralelas à face
norte e oblíqua do Terreiro do Paço, que à última se liga, indirectamente
embora, pelos arcos dos Pregos e dos Barretes, que ainda são portas da cerca
fernandina. Ainda no sentido norte-sul, sai do Rossio a rua dos Espingardeiros,
paralela à dos Odreiros, e do ângulo sudoeste da praça parte a Rua do Carmo
que, pelas escadinhas do Caracol do Carmo vai à calçada de Paio de Novais que
entronca na rua Nova do Almada no ponto de intercepção da rua das Portas de
Santa Catarina. A norte desta (que, continuando pelo Calhariz e Paulistas, vai
a S. Bento) é o bairro do Carmo e da Trindade, a sul o bairro de S. Francisco por
detrás do qual (e do palácio dos duques de Bragança) se desce aos Remolares, à
beira do rio.
Daqui, depois de alguns
desvios, sobem rente às muralhas, as ruas do Conde e a larga de S. Roque, deixando
a poente o bairro das Chagas e o bairro Alto, e propondo, para norte, o caminho
que, pela Cotovia, leva ao Rato, de onde, em vasta encruzilhada, realmente uma
placa distribuidora de trânsito, e agora já com diminuta densidade de casario,
se passa a S. Bento, a Santa Isabel, a Campolide, a S. João de Bem-Casados, ou
se desce, pela rua do Salitre, a Valverde. Ao longo deste, a caminho de S.
Sebastião da Pedreira e a partir das Portas de Santo Antão, para norte, correm
as ruas das Portas, de S. José, de Santa Marta e de S. Sebastião. Ainda do
ângulo nordeste do Rossio se passa, pela calçada, ao Campo de Sant’Ana de onde
sai a carreira de cavalos, adiante da qual a Cruz do Taboado é ainda sítio
quase inteiramente rústico; ou se passa, por detrás de S. Domingos e pela
Saúde, à rua da Palma, deixando a poente os altos de Sant’Antão e do Desterro,
a caminho de Santa Bárbara e de Arroios.
Assim, S. Sebastião da
Pedreira e Arroios são verdadeiros extremos da cidade alargada, de onde se ganham
os arrabaldes rurais. Em volta do monte do Castelo, pelo contrário, multiplicam-se
também as ruas vermiculares e só a Sé, a Graça e S. Vicente impõem presenças
fortes que são roturas e ao mesmo tempo focos de atracção urbana. Da Graça,
pelos Quatro Caminhos, na direcção da Senhora do Monte e da Penha de França,
esboça-se já uma linha de urbanização; outra, dos Quatro Caminhos desce para
Santa Apolónia. A oeste da cidade, do sítio da Boa-Morte vai uma urbanização para
as Necessidades e, ao longo de toda a margem do Tejo, de Santos-o-Novo até
Alcântara, é uma mancha ininterrupta de casario, em maior ou menor densidade. Porque
o rio é, desde a Idade Média (ou desde sempre) a via real da cidade, a sua
possibilidade maior de comunicação.
Manchas maiores ou
menores, lineares ou enoveladas em bairros mais antigos, elas fazem de Lisboa
joanina, com as suas calçadas em ruína (1746), mau grado o fausto da corte
do rei Fidelíssimo e a sua riqueza
decorativa (e mesmo contando as suas duas praças, nobre uma, popular a outra),
o que um famoso viajante francês (L. S. Mercier) achou ser uma cidade de África. E o Cavaleiro de
Oliveira, exilado, nada mais que uma fermosa
estrivaria…
A cidade pombalina
Grande parte desta
cidade desapareceu cerca das 10 horas da manhã do dia 1 de Novembro de 1755, abalada por um terramoto de raríssima
intensidade (graus VIII e X sobre XII da escala de Mercalli) e magnitude
(grau 9, o máximo na escala de Richter), cujo epicentro é localizável a
oeste de Gibraltar e que foi sentido por toda a Europa, a África do Norte e até
nas Américas. Ao sismo, e por ele provocado, sucedeu um vasto incêndio, mais
catastrófico ainda, e do duplo cataclismo resultaram cerca de 10 000 mortos
(embora na altura os cálculos apavorados tivessem subido até 90 000) e perdas
materiais incalculáveis, em prédios e riquezas móveis e preciosas». In
José Augusto França, Lisboa. Urbanismo e Arquitectura, Director da Publicação Álvaro Salema, Instituto de Cultura e
Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, série Artes Visuais,
Instituto Camões, 1980.
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