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Eu tinha um pouco de status graças a meu período como aprendiz do grande e, infelizmente já
falecido, Benjamin Franklin. Ele me ensinou o suficiente sobre electricidade
para que eu pudesse entreter uma selecta audiência, por exemplo, ao girar um
cilindro para transferir uma carga estática para as mãos das moças mais bonitas
e, então, desafiar os homens a tentarem, literalmente, dar um beijo, digamos,
chocante. Também era um pouco conhecido por minhas demonstrações de tiro. Além
da electricidade, eu exibia a precisão do rifle
longo norte-americano: tinha que acertar seis balas numa bandeja de estanho a
duzentos passos e, com um pouco de sorte, cortar a pluma do chapéu de um general
incrédulo a cinquenta. Embora se limitasse, às vezes, a tentativas frustradas,
meu trabalho garantia parte do meu dinheiro com o esforço de firmar contratos
entre a França, com sua pressão militar, e minha jovem e neutra nação. Uma
tarefa ingrata, devo dizer, já que o hábito revolucionário de abordar e
confiscar navios norte-americanos tornava tudo mais difícil. Entre uma reunião
e outra, meu maior problema era não ter muitas opções para ocupar meus dias: eu
era mais um dos jovens que ficavam à deriva esperando o futuro chegar. Além
disso, o dinheiro era pouco para garantir meu sustento de maneira confortável
em Paris, com sua inflacção proibitiva.
Justamente
por isso, eu tentava a sorte nas cartas. Nossa anfitriã era a misteriosa madame
d’Liberté, uma daquelas mulheres de negócios cheias de beleza, ambição, vontade
e esperteza que emergiram da anarquia revolucionária. Quem diria que as
mulheres poderiam ser tão ambiciosas, inteligentes e sedutoramente
convincentes? Ela dava ordens como um sargento veterano e, mesmo assim, entrava
na nova moda de vestir vestidos clássicos para exibir seus charmes femininos. Os tecidos eram tão transparentes que os mais
observadores podiam encontrar o triângulo negro apontando para seu templo de Vénus.
Seus mamilos eram devidamente maquiados num leve tom de vermelho e apontavam
por cima de seu sutiã como soldados espiando
para fora de uma trincheira. Uma outra cortesã era mais directa e exibia seus
seios por inteiro, como um par de melões prontos para a colheita.
Até
os homens entravam na onda do visual. Para não serem engolidos pelo deslumbre
provocado pelas mulheres, muitos dos exibidos abusavam de modelitos
extravagantes com direito a capas que iam até os joelhos, sapatos tão delicados
quanto as patas de gatinhos e brincos dourados que reluziam em suas orelhas. Não
foi nenhuma surpresa eu me arriscar a retornar a Paris, não é? Quem não amaria
uma capital que tivesse três vezes mais produtores de vinho do que padeiros? Sua beleza perde apenas para sua sabedoria,
um embriagado jogador e negociante de arte chamado Pierre Cannard disse para a
madame assim que ela cortou seu fluxo de whisky.
Essa foi sua punição por ter derramado bebida em seu recém-adquirido e
inimitável carpete oriental. Ela pagou uma alta quantia a um nobre falido, que
estava se desfazendo de todas as riquezas para conseguir dinheiro. Todos os nobres
faziam o mesmo.
Elogios não vão limpar meu carpete,
monsieur.
Cannard não desistiu. E sua sabedoria
perde apenas para sua força, sua força para sua teimosia, e sua teimosia para
sua crueldade. Sem whisky? Com essa frieza feminina, eu bem que preferiria
comprar bebida de um homem! Ela devolveu. … você parece muito com nosso
novo herói militar. … quer dizer o
jovem general Bonaparte? Um porco da Córsega. Quando a brilhante
Germaine de Stael perguntou a ele sobre
qual tipo de mulher ele admirava, Bonaparte respondeu: Aquela que cuida melhor da
casa? Os presentes riram. … com certeza!,
Cannard gritou. Ele é italiano e sabe bem o lugar de uma mulher! Então, ela
tentou novamente, perguntando quem é a mulher mais distinta entre todas as
outras. E o bastardo respondeu: aquela que pode dar à luz a mais crianças. Fomos
ao delírio. Foi impressionante o modo como revelamos nossos sentimentos em
relação às mulheres.
Realmente,
qual era o lugar da mulher na sociedade revolucionária? Elas receberam
direitos, até mesmo o do divórcio, mas o recém-afamado Napoleão tinha a mesma postura
de todos os outros milhões de reaccionários que prefeririam revogar essa
decisão. Qual, então, seria o papel do homem? O que a racionalidade
tinha a ver com romance e sexo, duas das maiores paixões francesas? O que
ciência tinha a ver com amor, igualdade com ambição, ou liberdade com
conquista? Todos sentíamos as coisas de um jeito diferente no Ano Seis. Madame d’Liberte havia
comprado um apartamento no primeiro andar acima da loja de chapéus. Ela gastou
uma bela quantia para mobiliar e abrir o estabelecimento tão rápido que eu
ainda podia sentir o cheiro da pasta do papel de parede misturado ao aroma de
colónia e fumaça de tabaco». In William Dietrich, As Pirâmides de
Napoleão, 2007, Grandes Narrativas, nº 490, Editorial Presença, 2011, ISBN
978-972-234-450-0.
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