segunda-feira, 24 de agosto de 2015

As Mulheres Que Fizeram Roma. Carla Quevedo. «O historiador Flávio Josefo conta o episódio do resgate de Moisés das águas nas Antiguidades Judaicas, obra que data do fim do primeiro século da nossa era»

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«É campónio demais aquele que se sente magoado por uma mulher que o engana e não conhece o bastante os costumes da Urbe, onde não nasceram sem engano os filhos de Marte, Rómulo, filho de Ília, e o filho de Ília, Remo». In Ovídio

Reia Sílvia (ca. 753 a. C.)
«Conhecemos a história que parece de ficção científica, embora sem os efeitos especiais, da fundação de Roma, da qual Tito Lívio e Dionísio de Halicarnasso desconfiavam, e que exige no mínimo uma certa candura da parte de quem a ouve ou lê. A lenda é, apesar das suspeitas, a explicação mais divulgada e aceite sobre a fundação de Roma. Um par de gémeos do sexo masculino, depositado numa cesta e deixado à mercê das águas do Tibre, teria sido encontrado numa das margens do rio por uma loba. O animal pôde alimentar os bebés humanos ali encontrados, salvando-os da morte certa. É ainda do conhecimento geral o nome dos gémeos, Rómulo e Remo, sendo o primeiro apontado como o primeiro rei de Roma e o segundo, desaparecido entretanto, é possível que morto pelo outro.
A história dos gémeos de Roma faz lembrar Moisés abandonado à sua sorte num cesto nas águas do rio Nilo. A história de Moisés é difícil de datar, tendo ocorrido quem sabe se por volta de 1500-1400 a.C.. Será em todo o caso bastante anterior à lenda de Rómulo e Remo. São datas longínquas da nossa era que apesar disso não nos devem intimidar. Estamos afinal de contas perante histórias contadas ao longo de muitos séculos, partilhadas entre os povos e que são constitutivas de uma civilização. Não pertencem por isso ao passado, mas a um presente constantemente renovado e contado outra vez.
São além do mais histórias que também por terem sobrevivido ao longo de séculos têm a autoridade de impedir interferências e alterações substanciais na sua estrutura. O historiador Flávio Josefo conta o episódio do resgate de Moisés das águas nas Antiguidades Judaicas, obra que data do fim do primeiro século da nossa era. Sobre Moisés, explica o éptimo do nome: … retirado das águas. Assim como a maré que extravasou para as margens motivou a descoberta dos gémeos, a ausência de uma corrente forte determinou que o cesto com aquele que seria um homem muito humilde, mais que todos os homens que há sobre a face da terra fosse levado docemente até uma das margens do Nilo para aí ser recolhido pela filha do faraó do Egipto. Se não fossem as águas calmas, nem Roma nem o povo judaico teriam existido. Mas antes de nos determos nos pormenores da história da fundação de Roma e da sua protagonista feminina, Reia Sílvia, recuemos um pouco no tempo, até ao mito fundador de Roma, que nos daria a história dos gémeos Rómulo e Remo.
Ainda hoje repetimos que Roma não foi feita num dia para justificarmos a demora na execução de uma tarefa complexa, tão difícil, turbulenta e prolongada como a fundação daquela que seria a capital do Império. Fugido à destruição causada pela guerra de Tróia, cuja data não é conhecida, mas que se pensa ter coincidido com o fim da Idade do Bronze, por volta de 1194 a.C., Eneias, célebre guerreiro troiano e protagonista da Eneida de Virgílio, terá escapado aos gregos e chegado à região do Lácio, na Itália. Aí terá edificado a cidade de Lavínio, nome que seria atribuído em homenagem à sua mulher, Lavínia. O filho de ambos, Ascânio, fundaria a lendária Alba Longa, situada na mesma zona de Itália, a qual daria origem à dinastia dos reis albanos. Cerca de quatrocentos anos mais tarde, após nascimentos e mortes, histórias de batalhas e sucessões sangrentas, encontramos dois irmãos desta linhagem dos albanos: Amúlio e Numitor». In Carla Hilário Quevedo, As Mulheres Que Fizeram Roma, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2015, ISBN 978-989-626-688-2.

Cortesia EsferaLivros/JDACT