quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

A Primeira Aliança Atlântica. João Paulo O. Costa. «Dizem as crónicas que dona Teresa chegou à Flandres com uma comitiva carregada de presentes magnificentes que causou admiração junto do noivo e da sua corte»

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1184
«O rei Afonso Henriques casou três filhos: a infanta dona Urraca foi destinada à pacificação da fronteira e casou com Fernando II de Leão, em 1165, tendo o consórcio sido anulado pelo papa, dez anos depois, como vimos; em 1174, o infante Sancho, o herdeiro do trono, uniu-se a dona Dulce de Aragão, criando uma ligação forte à monarquia que dominava o extremo leste da Hispânia; finalmente, em 1184, a infanta dona Teresa casou-se com Filipe da Alsácia, conde da Flandres. pouco antes de falecer, o fundador abria mais uma linha diplomática que se revelaria estrutural na existência da monarquia portuguesa. Foi o primeiro casamento extrapeninsular de um membro da família real, inaugurando uma tradição em que a coroa portuguesa apostou repetidamente nas décadas seguintes, canalizando para várias cortes da Europa atlântica os seus filhos segundos. Este primeiro enlace contou com a participação do rei Henrique II de Inglaterra nas negociações, o que é sintomático do interesse que Portugal despertava junto das monarquias do mar do Norte. Dizem as crónicas que dona Teresa chegou à Flandres com uma comitiva carregada de presentes magnificentes que causou admiração junto do noivo e da sua corte. Portugal aproveitava a ocasião para se fazer sentir numa região que se afigurava vital para a sua sobrevivência. Sendo um reino encravado na costa atlântica da Hispânia, tinha de afirmar-se como potência marítima, e estando no limite meridional da cristandade, era imperioso desenvolver as trocas comerciais sobretudo com os portos do Norte, pois o acesso ao Mediterrâneo era ainda muito problemático, tendo em conta o poderio dos mouros no Sul da Hispânia e em África. Nas décadas seguintes, sucederam-se novos enlaces entre infantes portugueses e senhores de territórios atlânticos: em 1211, o infante Fernando, irmão do novo rei Afonso II, casou com Joana de Constantinopla e tornou-se o senhor do condado da Flandres; este infante enfrentou o rei de França na Batalha de Bouvines, em 1214, e foi aprisionado pelo vencedor, que o manteve encarcerado nos treze anos seguintes. Entretanto, em 1214, dona Berengária, também irmã de Afonso II, casou-se com o rei Valdemar II da Dinamarca; a rainha faleceu em 1221, mas em 1229, a sua sobrinha Leonor uniu-se ao rei Valdemar III, mas perdeu a vida num parto, passados dois anos. Finalmente, em 1238, o infante Afonso, irmão de Sancho II, casou com Matilde, a condessa de Boulogne. Vemos assim que, no espaço de vinte e quatro anos, quatro infantes de Portugal casaram com titulares de domínios atlânticos, justificando a importância da escolha realizada ainda por Afonso Henriques em 1184 e contribuindo decisivamente para a afirmação de Portugal como uma potência atlântica». In João Paulo Oliveira Costa, Episódios da Monarquia Portuguesa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2013, ISBN 978-989-644-248-4.

Cortesia de CL/TDebates/JDACT