segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Infantas de Portugal. Rainhas em Espanha. Marsilio Cassotti. «Era comum que o primeiro, se fosse varão, ficasse com o nome do avô paterno, e se fosse menina, o da avó. Com o segundo filho ou filha, era semelhante, mas com os nomes dos avós maternos»

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Infanta dona Urraca (1150?-1222?). Filha de Leão; filha de Afonso Henriques de Portugal; mulher do rei Fernando II de Leão; mãe do rei Afonso IX de Leão
«(…) Depois de dona Urraca, nasceram duas meninas, Teresa e Mafalda, depois das quais nasceria, em 1154 o infante Sancho, herdeiro depois da morte do primogénito. Dois filhos posteriores, um varão e uma menina, morreram também na infância. O nascimento da última provocou a morte da rainha, em 1167, quando dona Urraca tinha apenas nove anos. Nessa altura, tinha já morrido o seu irmão mais velho. Se eram bem conhecidas as origens do pai da infanta, que se considerava descender por via colateral de Carlos Magno, pela sua estirpe borgonhesa, não eram tão conhecidas as da rainha, cujo primeiro registo histórico datava de uns cem anos antes do nascimento de dona Urraca. Contudo, em apenas um século, a jovem dinastia de Sabóia conseguira ocupar um importante lugar no tabuleiro dinástico europeu, mercê da posição estratégica de possessões nas passagens alpinas. A mãe de Mafalda de Sabóia era filha de um conde da Borgonha e irmã do papa Calisto II (1119-1124) e, mais importante ainda, de Raimundo, marido da infanta, portanto rainha, Urraca de Castela, irmã da mãe do rei Afonso Henriques, um parentesco peninsular que seguramente favoreceu o matrimónio de Mafalda com o rei de Portugal, e que possivelmente teve influência no nome que foi dado à infanta. Na época em que nasceu dona Urraca Afonso, e durante muito mais séculos, o nome que se dava aos filhos obedecia a critérios muito precisos. Era comum que o primeiro, se fosse varão, ficasse com o nome do avô paterno, e se fosse menina, o da avó. Com o segundo filho ou filha, era semelhante, mas com os nomes dos avós maternos. Neste caso, a menina recebeu o nome de uma irmã do pai, a infanta Urraca, casada com o importante magnata galego, Bermudo Peres de Trava. Várias rainhas de Leão chamavam-se Urraca, desde tempos tão recuados quanto meados do século IX.
Além disso, assim se chamava também uma filha natural que o pai tivera de Elvira Gualter, antes do seu matrimónio com Mafalda. Fossem quais fossem os motivos que levaram os monarcas a darem-lhe esse nome, o facto é que soava ao mesmo tempo muito hispânico e muito régio. Não existe nenhuma documentação sobre os primeiros anos da sua vida. Sabe-se que o seu irmão Sancho teve como aia dona Teresa Afonso, filha natural do seu pai com dona Chamoa Gomes. De qualquer modo, pode atribuir-se a ela o que se escreveu sobre o irmão. Apesar das prováveis ausências da Cúria e da esfera de influência do pai, durante o período do seu crescimento, que tiveram lugar em ambiente rural, não é possível conceber que a infanta não tivesse participado da vida da corte em Coimbra.
É muito provável que o futuro que se apresentava a dona Urraca como filha de rei era converter-se em moeda de troca em futuras alianças dinásticas e políticas. E isso exigia que houvesse uma certa preparação, pois se em princípio as infantas portuguesas não se destinavam a cingir a coroa do seu próprio país, era provável que algum dia pudessem cingir a de outro. Apesar do papel marginal que as rainhas consortes medievais desempenhavam na corte, houve também casos em que algumas delas brilharam com luz própria. Mas isso dependia não só de que tivessem dotes de comando especiais ou uma grande capacidade diplomática, mas também que as circunstâncias políticas propiciassem que pudessem desempenhar uma função de maior importância do que a de apenas proporcionar um herdeiro ao marido. Paradoxalmente, devido ao papel marginal que as mulheres desempenhavam na hierarquia nobiliárquica da época, incapacitadas como estavam de ocupar postos de comando, a educação que era ministrada às meninas era mais refinada do que a ministrada aos varões. A sua formação não se limitava à aprendizagem da leitura, escrita e bordado, incluindo também, nalguns casos, o estudo da língua sagrada, o latim, que dava acesso à cultura da época, bem como algum outro idioma europeu, o que para elas era particularmente fácil, tendo em conta que as mães destas princesas eram em geral estrangeiras.
As poucas informações que há sobre a infanta Urraca coincidem em atribuir-lhe uma autêntica religiosidade cristã, sentimento que seria acrescido a partir de 1157, que teve a sua origem na morte da mãe. Nesse mesmo ano, no mês de Agosto, outro falecimento, agora em Castela, marcaria a sua vida, o de Afonso VII, rei de Castela e Leão, que dividiu o reino, deixando em herança, ao filho mais velho, a coroa de Castela, e ao mais novo, Fernando, com quem dona Urraca acabaria por casar, o de Leão, um reino cuja jurisdição incluía então toda a Galiza, as Astúrias e as cidades de Leão, Astorga, Toro, Zamora e Salamanca, territórios nalguns casos limítrofes com o nascente reino de Portugal, e portanto de interesse vital para ele». In Marsilio Cassotti, Infantas de Portugal, Rainhas de Espanha, tradução de Francisco Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-396-6.

Cortesia ELivros/JDACT