segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Vataça. A Favorita do rei Dinis. Francisco do Ó Pacheco. «… ao longo dos seus anos de criança e de jovem uma espécie de Maria-rapaz que adorava os jogos de espada, atirava ao arco como o mais certeiro atirador»

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«(…) E o papa chamou o mais conceituado dos ourives de Roma e encarregou-o de construir um elmo em prata, artisticamente trabalhada, que cobrisse toda a calote craniana e lhe reconstituísse as formas da face. Assim foi feito e a Cabeça do papa Fabiano passou a fazer parte dos tesouros da igreja de Cristo. Por outro lado, a Cruz de prata dourada do Santo Lenho não é uma peça muito grande. Tem apenas cerca de sessenta centímetros de comprimento e trinta de largura e assenta numa base decorada com querubins, em relevo. Dizia tua avó que era lindíssima. Pronto mãe, pára. Descansa um pouco, disse Vataça. Toma um pouco de água e mais tarde continuarás. Vamos irmãos, deixemos nossa mãe descansar. Logo regressaremos.
Ficavam mais claros para todos os interesses religiosos, políticos e económicos que haviam envolvido a 4ª cruzada quando os cruzados francos, apoiados pela poderosa cidade-estado de Veneza, atacaram Constantinopla em 1204 e forçaram o imperador bizantino Alexis V Murtzouphlos a fugir. Provocaram a divisão do império romano do oriente, fundaram, sob o beneplácito de Veneza, o império Latino e coroaram como imperador o conde Balduíno I da Flandres. Até que um outro papa, com o apoio de uma outra potência económica, a cidade de Génova, e com Miguel Paleólogo como executante, voltou a atacar Constantinopla em 1261 e a repor o império bizantino na sua plenitude.
Vataça era a única dos filhos de Eudóxia Lascaris que tratava a mãe por tu. Era assim desde criança e Eudóxia sorria, com esse atrevimento, enquanto fechava os olhos para descansar mais um pouco. Recordou-se ainda dos tempos de menina quando quer ela, quer o pai, Guillermo Pedro, teria ela então entre dez a doze anos, tentaram arranjar-lhe um noivo. Vieram vários rapazes, todos de famílias nobres, da alta nobreza Liguriana e genovesa, mas a todos Vataça despachou em alta velocidade como se fossem ainda crianças de mama. Um houve, um Fábio qualquer coisa, que até mereceu as simpatias de Eudóxia, mas que foi muito maltratado por Vataça, ao ponto de o correr do quarto, a pontapé, chamando-lhe alto e bom som, medricas e cagarola. Vataça tinha sido ao longo dos seus anos de criança e de jovem uma espécie de Maria-rapaz que adorava os jogos de espada, atirava ao arco como o mais certeiro atirador e fazia corridas de cavalo com os mais velhos, fossem nobres ou plebeus. Claro que também aprendeu as coisas das mulheres, a administração do palácio e dos criados, as rendas e bordados, a poesia, a música, a teologia e os cânones da igreja e da corte. Mas do que ela mais gostava todos sabiam e logo que podia, saía de casa e brincava com os filhos e as filhas dos criados, aos torneios simulados em cima de cavalos de cana e jogava a espada, chamando-se a si própria de cavaleira bizantina combatendo os infiéis e libertando a terra santa. Corria Vataça os cortinados das enormes janelas, para que a luz do dia não incomodasse o descanso de sua mãe, quando ouviu a sua voz, muito baixinha, que perguntava: já foste de novo desposada, filha? Não, mãe, continuo só e viúva. Estou com 36 anos e isso já não me preocupa, respondeu Vataça Lascaris secamente denotando na voz alguma amargura. Aquele por quem me apaixonei não me podia ter por esposa, porque estava casado com a minha melhor amiga. Depois mandou que me casasse com um velho nobre que tinha mais de três vezes a minha idade». In Francisco do Ó Pacheco, Vataça, A Favorita de Dom Dinis, Prime Books, 2013, ISBN 978-989-655-183-4.

Cortesia de PBooks/JDACT