Cortesia de wikipedia e jdact
«(…) Um desenho à pena sobre papel,
forrado em cartão e aguarelado a castanho e que pertence ao Museu de História
da Arte de Viena é a matriz de uma destas tapeçarias, Foi atribuído a Pieter
Coecke van Aelst, mas a crítica mais recente rejeita esta atribuição, por
motivos técnicos e plásticos, reforçada pelo facto desse artista ter morrido em
1550, sendo favorável a uma autoria de Michael Coxie, desde logo porque
viveu até 1592, e só a preparação dos desenhos e cartões teve que levar anos. Uma
coisa é a data da encomenda; outra é a feitura das tapeçarias, tarefa que pode
ter levado mais do que uma década, o que justificará certas diferenças técnicas
e até dos materiais utilizados nelas. Nesta tapeçaria agora apresentada, por
exemplo, não é usado o fio de ouro e de prata, o que pode querer dizer que foi
das últimas a ser produzida, eventualmente já em período de dificuldade do ou
dos encomendantes, para pagar tamanha empreitada. Parece-nos provável que as
tapeçarias fossem mandadas para Portugal e pagas, à medida em que eram
terminadas, e que quando Álvaro de Castro morreu, em 1575, é provável que a
série ainda não estivesse concluída, e a sua conclusão se deva à intervenção de
Filipe I, após 1580. No entanto, as incongruências que se podem assacar a este
facto, podem eventualmente justificar-se também pela mudança do tapeceiro que
as fabricou, Bartholomeus Adriaenz, de Bruxelas para Leiden, em 1561, cidade
onde morreu em 1586.
Esta tapeçaria, até agora desconhecida,
representará certamente Álvaro de Castro com a mulher, do lado direito do
observador, e outras personagens da família e da mesma geração, que pelo trajo
têm que ser de alto estado, do lado oposto, a receber um rei ou emissário
indiano. Estas figuras já estão representadas noutras tapeçarias desta série,
embora com identificações diversas, como já antes vimos. No entanto, é
indiscutível que o desenho saiu da mão de quem fez os cartões das outras dez,
várias delas com leituras muito difíceis e nas quais muitos autores divergem profundamente.
Já a tecitura desta é diferente das restantes, pois não tem fio de ouro nem de
prata. Por outro lado também não se vê marca de origem geográfica nem de
tapeceiro. No entanto, em tudo o resto é idêntica às que se guardam em Viena, e
mesmo o facto de não ultrapassar os 2,80 m de altura é motivo para rejeitar que
se trata de uma peça da mesma série que, como vimos antes, e como vários
autores notaram, foram feitas ao longo de muito tempo e em circunstâncias
diferentes. Aliás, também não há duas exactamente com as mesmas medidas em Viena.
A aquisição de obras de arte ou
jóias para oferecer, como simples recordação de viagem, está atestado pelo episódio
já relatado, no qual João de Castro pediu a Álvaro de Castro que lhe comprasse,
em Diu, algumas, para oferecer às suas filhas; … se puderem achar alguns
brincos com orelheiras, ou cousa desta qualidade, pera vossas irmãs, pedi a Rui
Gonçalves que as merque… Mas João de Castro também obteve preciosidades
exóticas através de outros meios, concretamente, como dádivas de potentados
locais. Em 1546, o rei de Bisnaga ofereceu-lhe peças de ouro, um diamante e
outras preciosidades e, no ano seguinte, o mesmo rei fazia chegar-lhe às mãos
uma pateca com um rubi grande,
doze diamantes e esmeraldas, duas das quais de grandes dimensões. Está bem
documentada a oferta ao vice-rei de um cofre de marfim, com figuras em relevo,
fechadura e chave em ouro, e montagens de prata. Recebeu-o em Setembro de 1547,
oferecido por Mayadunne, quando de umas tréguas entre Sitawaka e Portugal. Este
cofre está hoje na Residenz de Munique, e provável que seja uma evocação dos
acontecimentos heróicos de Diu, em 1546, e da acção de João de Castro, e assim executado
logo depois da sua ocorrência. Tem 15 cm de altura, 25 de largura e 14 de
fundo, mas as montagens já não são as originais, substituídas em 1570. É
possível no entanto que as pedras preciosas, rubis, esmeraldas e ouro,
nomeadamente, pertencessem às montagens primitivas.
O cofre já consta no inventário do
tesouro de Alberto V da Baviera, de 1598, da autoria de Wittelbacher von
Fickler. A face principal tem três relevos, sendo o central o mais
interessante, e também o mais intrigante. Podem ver-se dois homens, um vestido
à europeia e outro à cingalesa, sentados frente a frente em cadeiras de braços
de feição portuguesa, a uma mesa de pernas cruzadas, do género das portáteis
que havia para de armar. Comem à mão, como era comum ainda na época, estando as
iguarias sobre um prato ou travessa. Ambos têm por trás de si um dignitário ou
pagem e as suas vestes e adornos são riquíssimos; com todas as reservas,
devemos estar perante a interpretação do encontro entre João de Castro e Sri Radaraksa
Pandita, pelo que a obra teria sido oferecida ao vice-rei em Setembro de 1547??
Mas nessa data, o cofre que ele recebeu foi dado por Mayadunne, quando de umas
tréguas entre Sitawaka e Portugal, e não pelo rei Bhuvanekabahu ou pelo seu
embaixador, o que esteve em Goa e Lisboa, Sri Radaraksa Pandita. Porém, nesse
ano de 1547, João de Castro recebeu na capital do Estado Português da Índia
outro embaixador de Kotte, Sri Proytila Rala. Será que também levou um cofre do
mesmo tipo em que se fez representar, e teríamos assim dois cofres e não um só,
posto que até agora só tenha sido identificado um deles?» In Pedro Dias, Uma Tapeçaria Inédita da Série dos feitos de
D. João de Castro, A importação
de esculturas de Itália nos séculos XV e XVI, Coimbra, 1987.
Cortesia de Wikipedia/JDACT