segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Os Abutres do Vaticano. Eric Frattini. « O IOR continue a ser o grande vírus do Vaticano, que se vai transmitindo de papa em papa, como se se tratasse de uma gripe ou da varíola, sem que nenhum esteja realmente disposto a combater o dito…»

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«(…) Em certa ocasião, um especialista no Vaticano disse-me: no seio da corte dos papas o tempo não corte à mesma velocidade que fora dela. Após sete anos de pontificado de Bento XVI, a verdadeira política do Vaticano, como acontece desde há séculos, continua a ser desenvolvida nos silenciosos e pouco iluminados vestíbulos, mobilados com sofás de veludo vermelho, portas duplas e estuques elegantes com pequenos anjos e odaliscas, a que só tem acesso quem é poderoso ou amigo dos poderosos. Ali, em meias palavras e frases não ditas mas subentendidas, os altos membros da cúria conseguem activar e desactivar descalabros financeiros, ocultar escândalos e mover tanto prelados sem escrúpulos como elementos desejosos de limpar a Igreja por dentro, como se de peças de xadrêz se tratassem. Numa máquina com 2012 anos de história e que se encontra perfeitamente oleada, tanto os primeiros como os últimos serão sempre incómodos. O IOR continue a ser o grande vírus do Vaticano, que se vai transmitindo de papa em papa, como se se tratasse de uma gripe ou da varíola, sem que nenhum esteja realmente disposto a combater o dito vírus ou, pelo menos, a procurar um antídoto. Esta frase foi-me dita por um funcionário da Santa Sé e, à vista dos últimos acontecimentos, parece que não estava errada. O Instituto para as Obras Religiosas não é um banco qualquer. Tem o seu balcão no torreão de Nicolau V mas, para chegar até ele, não é preciso passar por nenhum detector de metais, mas sim por um retém da Guatda Suíça. E para abrir uma conta no Banco Vaticano não basta conhecer o director da sucursal, mas ter antes o aval de uma alta instituição da Santa Sé. Os estatutos do IOR, assim como os acordos alcançados com as autoridades monetárias de Roma, permitem-lhe operar como se fosse um banco offshore, ou seja, à margem de qualquer tipo de controlo, como acontece com as entidades sediadas na Ilhas Caimão ou nas Bahamas, no Luxemburgo, em Singapura ou na Suíça. Tal como os banqueiros destes paraísos fiscais, os do IOR asseguram aos seus clientes exclusivos uma discrição absoluta, transacções opacas, uma completa impunidade e autonomia operacional. O que mais se pode pedir a um banco quando o que se deseja é branquear dinheiro?
O Banco do Vaticano possui um estatuto que impede que os altos membros da Santa Sé controlem a entidade. Nem sequer o secretário de Estado pode averiguar que tipo de transacções o IOR realiza sem passar por um apertado filtro de direcções e comités. Em 1990, o papa João Paulo II promoveu um estatuto, o único até à chegada de Bento XVI, através do qual se estabelecia que tipo de clientes poderiam ter contas no banco: entidades eclesiásticas, paroquiais e ordens religiosas, pessoas residentes no Vaticano, leigos e um ou outro estrangeiro, sempre e quando destinasse parte dos seus fundos a obras de caridade. Ou seja, não interessa nem ao Vaticano nem ao IOR saber de onde precedem os fundos, apenas assegurar-se de que o titular da conta destina uma parte destes a obras de caridade». In Eric Frattini, Os Abutres do Vaticano, 2012, tradução de Pedro Carvalho, Bertrand Editora, Lisboa, 2013, ISBN 978-972-252-598-5.

Cortesia de BertrandE/JDACT