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Renovação
espiritual e reconstrução da Antiguidade na diocese de Coimbra
«(…)
A 22 de Maio de 1482, com 25 anos de idade, clérigo de
Ordens menores e cónego de Lisboa, Sisto IV nomeava-o então administrador do
bispado de Coimbra, no mesmo dia em que João Galvão era transferido para Braga;
no ano seguinte, a 14 de Dezembro de 1483, em carta autógrafa e enviada de Roma
para o secretário do duque de Milão. Bartolomeu Chalco, intitulava-se
embaixador do rei de Portugal e bispo de Coimbra. Permanece ainda hoje pouco
claro seu percurso enquanto frequentador dos Estudos em Perugia e Pisa ou
enquanto residente na Cúria Romana. É, assim, necessário seguir um trajecto
preenchido pela escolha alternativa dos estudos em território italiano e pela
proximidade aos centros de poder eclesiástico onde mais facilmente se manobra a
aquisição dos privilégios. Ao mesmo tempo, importa definir com rigor o seu
papel no jogo dos interesses políticos que estão também em curso no teatro
das operações em Roma. Está por apurar o real significado da sua actuação em
1484 como testa de ferro do rei João II, na contenda a propósito da
nomeação do bispo de Silves, como permanece obscuro o sentido da sua nomeação
como embaixador régio em Roma ou em que circunstâncias deixa a Cidade Eterna
para regressar a Portugal e assumir no terreno o cargo de bispo de Coimbra. A
verdade é também que a intensa reforma disciplinar que se preparava no seio da
Igreja ditava, cada vez mais, a proximidade física dos prelados às dioceses para
que tinham sido nomeados. O património intelectual de Jorge Almeida, as
experiências múltiplas que atravessou e os contactos privilegiados que manteve
(onde se conta Lourenço de Medici) desenvolveram uma familiaridade com as correntes
humanistas do Renascimento que a sua actuação à frente da diocese de Coimbra e
a sua abertura mecenática não deixaram de traduzir.
A História da Arte projecta agora uma nova dimensão sobre
o papel efectivo de Jorge Almeida na construção da plasticidade renascentista
em Coimbra, encarando-o como peça fundamental no equilíbrio das forças culturais
e políticas da cidade. Assim, qualquer análise historiográfica da sua
intervenção na área da diocese não poderá ignorar a carga italianizante de que,
necessária e explicitamente, foi portador. Aliás, o bispo não deixou de se
fazer acompanhar emCoimbra por italianos como o decano do Cabido, Michelagnolo
Bonichi Casena, falecido em 1507 e sepultado na capela do Sacramento, em obra
promovida pelo sobrinho, Marco António Bonichi, arcediago da Sé. No seu longo
período de governação (1482-1543), o bispo de Coimbra, segundo conde de Arganil
e inquisidor-mor do reino a partir de 1536, atravessou as conjunturas políticas
diferenciadas que percorreram os reinados de João II, Manuel I e João III. A
sua presença em momentos de tanta importância a nível político e diplomático,
como a morte de João II em 1495 no Alvor, ou em Évora em 1490 (na recepção à
princesa dona Isabel, filha dos Reis Católicos, prometida ao infante Afonso e
futura mulher de Manuel I), revelando a força do seu testemunho no sonho
acalentado da união dos dois reinos, reflecte-se na imagem de um bispo que
acompanha tanto os circuitos do poder como uma engrenagem montada em torno de
uma cultura plástica em cujo domínio se fundavam também os poderes. Em Coimbra
é a figura marcante e tutelar da espiritualidade, em constante e adequada
renovação. O esforço evidenciado nas Constituições do Bispado, as primeiras publicadas pela diocese
na cidade de Braga em 1521, no sentido de imprimir regras de comportamento e
disciplina aos clérigos encontra correspondência numa política de autoridade
levada a cabo pela Igreja Moderna que, simultaneamente, desenvolve as competências
necessárias para uma regulação da sociedade civil. De igual forma, os
instrumentos pastorais manobravam a ideia crescente da necessidade de reforma
do sector eclesiástico que se ia, acentuando à medida que tomavam um tom
mais forte (mas também, para muitos, preocupante, pelos riscos de identificação
com denúncias erasmistas e com ideias protestantes) as críticas à ignorância, à
acumulação de benefícios, ao incumprimento dos deveres e funções e aos hábitos
pouco cristãos de franjas significativas do clero. É, por isso, compreensível
que algumas das primeiras medidas legislativas e disciplinares se mostrassem, ou
quisessem mostrar, preocupadas com a reforma dessas faltas e desvios que
impediam a renovação não só da Igreja mas também da vida cristã dos fiéis.
Neste contexto, não surpreende a vertente mecenática que enquadrou a gestão de Jorge
Almeida à frente da diocese de Coimbra e que, graças ao importante contributo
de uma historiografia recente, alcança agora uma dimensão de grande impacto nos
domínios intelectual e artístico da sua época. Desde muito cedo, o bispo
preocupou-se com uma dinâmica a imprimir em todas as áreas da sua tutela. Sem
que se possa precisar com rigor o volume e a orientação das obras que efectuou
no paço episcopal, afogadas por reconstruções posteriores, as evidências
construtivas do período manuelino que sobreviveram e que incluem os tectos de
alfarge provam que a reforma deveria ter sido grande,tanto no bloco do
norte como no do sul, e motivadamente se colocou, na reforma de 1592, o brasão daquele
prelado na entrada e se conservou outro na parte de dentro da mesma». In Maria
de Lurdes Craveiro, Academia Edu, Investigação, Faculdade de Letras da U. de
Coimbra, 2002.
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