quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Bispo Jorge Almeida. 1482-1543. Maria de Lurdes Craveiro. «… acentuando à medida que tomavam um tom mais forte (mas também, para muitos, preocupante, pelos riscos de identificação com denúncias erasmistas e com ideias protestantes)»

Cortesia de wikipedia

Renovação espiritual e reconstrução da Antiguidade na diocese de Coimbra
«(…) A 22 de Maio de 1482, com 25 anos de idade, clérigo de Ordens menores e cónego de Lisboa, Sisto IV nomeava-o então administrador do bispado de Coimbra, no mesmo dia em que João Galvão era transferido para Braga; no ano seguinte, a 14 de Dezembro de 1483, em carta autógrafa e enviada de Roma para o secretário do duque de Milão. Bartolomeu Chalco, intitulava-se embaixador do rei de Portugal e bispo de Coimbra. Permanece ainda hoje pouco claro seu percurso enquanto frequentador dos Estudos em Perugia e Pisa ou enquanto residente na Cúria Romana. É, assim, necessário seguir um trajecto preenchido pela escolha alternativa dos estudos em território italiano e pela proximidade aos centros de poder eclesiástico onde mais facilmente se manobra a aquisição dos privilégios. Ao mesmo tempo, importa definir com rigor o seu papel no jogo dos interesses políticos que estão também em curso no teatro das operações em Roma. Está por apurar o real significado da sua actuação em 1484 como testa de ferro do rei João II, na contenda a propósito da nomeação do bispo de Silves, como permanece obscuro o sentido da sua nomeação como embaixador régio em Roma ou em que circunstâncias deixa a Cidade Eterna para regressar a Portugal e assumir no terreno o cargo de bispo de Coimbra. A verdade é também que a intensa reforma disciplinar que se preparava no seio da Igreja ditava, cada vez mais, a proximidade física dos prelados às dioceses para que tinham sido nomeados. O património intelectual de Jorge Almeida, as experiências múltiplas que atravessou e os contactos privilegiados que manteve (onde se conta Lourenço de Medici) desenvolveram uma familiaridade com as correntes humanistas do Renascimento que a sua actuação à frente da diocese de Coimbra e a sua abertura mecenática não deixaram de traduzir.
A História da Arte projecta agora uma nova dimensão sobre o papel efectivo de Jorge Almeida na construção da plasticidade renascentista em Coimbra, encarando-o como peça fundamental no equilíbrio das forças culturais e políticas da cidade. Assim, qualquer análise historiográfica da sua intervenção na área da diocese não poderá ignorar a carga italianizante de que, necessária e explicitamente, foi portador. Aliás, o bispo não deixou de se fazer acompanhar emCoimbra por italianos como o decano do Cabido, Michelagnolo Bonichi Casena, falecido em 1507 e sepultado na capela do Sacramento, em obra promovida pelo sobrinho, Marco António Bonichi, arcediago da Sé. No seu longo período de governação (1482-1543), o bispo de Coimbra, segundo conde de Arganil e inquisidor-mor do reino a partir de 1536, atravessou as conjunturas políticas diferenciadas que percorreram os reinados de João II, Manuel I e João III. A sua presença em momentos de tanta importância a nível político e diplomático, como a morte de João II em 1495 no Alvor, ou em Évora em 1490 (na recepção à princesa dona Isabel, filha dos Reis Católicos, prometida ao infante Afonso e futura mulher de Manuel I), revelando a força do seu testemunho no sonho acalentado da união dos dois reinos, reflecte-se na imagem de um bispo que acompanha tanto os circuitos do poder como uma engrenagem montada em torno de uma cultura plástica em cujo domínio se fundavam também os poderes. Em Coimbra é a figura marcante e tutelar da espiritualidade, em constante e adequada renovação. O esforço evidenciado nas Constituições do Bispado, as primeiras publicadas pela diocese na cidade de Braga em 1521, no sentido de imprimir regras de comportamento e disciplina aos clérigos encontra correspondência numa política de autoridade levada a cabo pela Igreja Moderna que, simultaneamente, desenvolve as competências necessárias para uma regulação da sociedade civil. De igual forma, os instrumentos pastorais manobravam a ideia crescente da necessidade de reforma do sector eclesiástico que se ia, acentuando à medida que tomavam um tom mais forte (mas também, para muitos, preocupante, pelos riscos de identificação com denúncias erasmistas e com ideias protestantes) as críticas à ignorância, à acumulação de benefícios, ao incumprimento dos deveres e funções e aos hábitos pouco cristãos de franjas significativas do clero. É, por isso, compreensível que algumas das primeiras medidas legislativas e disciplinares se mostrassem, ou quisessem mostrar, preocupadas com a reforma dessas faltas e desvios que impediam a renovação não só da Igreja mas também da vida cristã dos fiéis. Neste contexto, não surpreende a vertente mecenática que enquadrou a gestão de Jorge Almeida à frente da diocese de Coimbra e que, graças ao importante contributo de uma historiografia recente, alcança agora uma dimensão de grande impacto nos domínios intelectual e artístico da sua época. Desde muito cedo, o bispo preocupou-se com uma dinâmica a imprimir em todas as áreas da sua tutela. Sem que se possa precisar com rigor o volume e a orientação das obras que efectuou no paço episcopal, afogadas por reconstruções posteriores, as evidências construtivas do período manuelino que sobreviveram e que incluem os tectos de alfarge provam que a reforma deveria ter sido grande,tanto no bloco do norte como no do sul, e motivadamente se colocou, na reforma de 1592, o brasão daquele prelado na entrada e se conservou outro na parte de dentro da mesma». In Maria de Lurdes Craveiro, Academia Edu, Investigação, Faculdade de Letras da U. de Coimbra, 2002.

Cortesia da UCoimbra/JDACT