quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Os Sete Enforcados. Leonid Andreiev. «Pensava incessantemente no que o destino cruel lhe havia reservado. Relembrou, um a um, os horríveis casos recentes de bombas lançadas contra pessoas de importância ainda maior»

Cortesia de wikipedia

«Sendo o ministro um homem muito corpulento, propenso à apoplexia, tinham medo de despertar nele qualquer emoção perigosa, e foi com todas as preocupações que lhe informaram a descoberta de um atentado contra a sua vida. Quando viram que ele recebia a notícia com calma, até mesmo com um sorriso, deram-lhe também os detalhes. O atentado teria lugar no dia seguinte, à hora em que ele sairia com o relatório oficial: alguns terroristas, cujos planos tinham sido denunciados por um traidor, pretendiam encontrar-se à uma hora da tarde defronte à residência do ministro e, armados de bombas e revólveres, esperariam que ele saísse. Eles encontravam-se sob cerrada vigilância e seriam apanhados quando chegassem ao local do atentado. Espere!, pediu o ministro, intrigado. Como é que eles sabem que eu pretendo sair de casa à uma hora da tarde com o relatório, se eu próprio só soube disso anteontem? O capitão da Guarda, porém, deu de ombros: exactamente à uma hora, Excelência, limitou-se a declarar. Meio surpreso, meio satisfeito com a habilidade da polícia, o ministro sacudiu a cabeça, um sorriso taciturno nos lábios grossos e escuros. Sem querer interferir nos planos da polícia, ele aprontou-se às pressas, ainda sorrindo, e foi passar a noite no palácio de um amigo hospitaleiro. A esposa e os dois filhos também foram removidos da perigosa residência, que no dia seguinte seria local da reunião dos terroristas. Enquanto as luzes estavam acesas na nova residência e rostos familiares e amáveis o cercavam sorrindo e exprimindo a sua preocupação, o ministro experimentou uma excitação agradável. Era como se tivesse recebido, ou estivesse prestes a receber, uma grande e inesperada honraria. Mas as pessoas foram embora, as luzes apagaram-se, e o reflexo rendilhado e fantástico das lâmpadas eléctricas dos postes da rua nos espelhos do quarto projectava-se nas paredes e no tecto. Ele era um estranho naquela casa com os seus quadros, as suas estátuas e o seu silêncio, e aquela luz, ela própria silente e indefinida, despertava-lhe a dolorosa consciência da inutilidade de trancas, paredes e guardas de vigia. E assim, no meio da noite, no silêncio e na solidão de um quarto de dormir desconhecido, uma insuportável sensação de medo tomou conta do grande dignitário. Ele sofria dos rins e, sempre que se via tomado de alguma emoção mais forte, inchavam-lhe o rosto, as mãos e os pés. Agora, como uma montanha de carne intumescida sobre as molas tensas do leito, ele tacteou o rosto inchado, com a angústia de um doente, sentindo-o como se pertencesse a outra pessoa. Pensava incessantemente no que o destino cruel lhe havia reservado. Relembrou, um a um, os horríveis casos recentes de bombas lançadas contra pessoas de importância ainda maior que a sua: corpos despedaçados, miolos espalhados por paredes sujas, dentes arrancados pela raiz. Sob o efeito dessas lembranças, parecia-lhe que o próprio corpo, pesado e doente, estendido sobre a cama, estava já experimentando o choque violento da explosão. Parecia-lhe sentir os braços deceptados do corpo, os dentes arrancados, os miolos em frangalhos, e seus pés ficavam cada vez mais dormentes, imóveis, dedos para cima, como os de um morto. Mexeu-se com esforço, respirou alto e tossiu, para afastar a impressão de ser um cadáver. Encorajou-se com o ruído vivo das molas do colchão, o sussurro das cobertas; e, para assegurar-se de que estava realmente vivo, falou, em tom baixo e profundo, de modo forte e abrupto, na silenciosa solidão do quarto: boa gente! Boa gente! Estava elogiando os policiais, os guardas, os soldados, todos aqueles que velavam por sua vida, e que de forma tão hábil e oportuna haviam evitado o assassinato. Mas nem os movimentos que fazia, nem os elogios aos seus protectores, nem mesmo uma força do sorriso de desprezo pelos terroristas, tolos fracassados, podiam fazer com que ele acreditasse na própria segurança, na certeza de que a vida não o deixaria de repente. A morte, que tinham planeado para ele e que já existia na mente e na intenção de outros, parecia-lhe estar ali presente no quarto. E ali permaneceria; a morte só iria embora depois que aquelas pessoas tivessem sido capturadas, desarmadas e presas em local seguro. Ali estava a morte; postava-se a um canto e não queria ir embora, não podia ir embora, como uma sentinela obediente colocada de vigia por vontade e ordem superior. À uma hora, Excelência! A frase não parava de soar, mudando continuamente de tom: ora alegre e zombeteira, ora zangada, ora obtusa e obstinada. Soava como se uma centena de gramofones tivessem sido colocados no aposento, e todos eles, um após outro, repetissem aos gritos, idiotamente, as palavras que lhes cabiam gritar: à uma hora, ExcelênciaIn Leonid Andreiev, Os Sete Enforcados, Editora Rocco, colecção Novelas Imortais, 2011, ISBN 978-858-122-026-0 e/ou ISBN 978-857-980-069-6.

Cortesia de ERocco/JDACT